Apesar
de já ter transcorrido um mês, ainda deve valer noticiar que, nos dias 14 e 15
de março, no auditório do CEDEM (São Paulo-SP), realizou-se o Congresso Internacional Fidelino de
Figueiredo: filosofia e literatura (“Um homem na sua humanidade”). O
evento, que integrou parte de uma homenagem maior, envolvendo outras datas e
outras localidades no Brasil e em Portugal, contou com a organização dos
professores Paulo Motta Oliveira (USP) e Luciene Marie Pavanelo (UNESP).
Fidelino
de Figueiredo (1888-1967), pensador e crítico literário português, contribuiu
enormemente para a história da cultura acadêmica brasileira, especialmente
entre 1938 e 1951, quando exerceu o cargo de professor na então recém-fundada
Universidade de São Paulo e na então chamada Universidade do Brasil (hoje UFRJ).
O autor de obra volumosa foi professor e grande responsável pelo início da
ilustre carreira acadêmica de Cleonice Berardinelli, maior estudiosa brasileira
da literatura portuguesa (quem, aliás, por sua vez, lecionou para o nosso José
Guilherme Merquior). Dizer que Fidelino exerceu o papel de mentor intelectual e
estimulador profissional de Dona Cleo é já por si só dimensionar a importância
da contribuição por parte do autor de Um
colecionador de angústias para os estudos de literatura portuguesa no Brasil.
No
segundo dia do congresso, pronunciei a comunicação “Dois liberalismos? – razão
e modernidade em Fidelino de Figueiredo e José Guilherme Merquior”. De fato,
ambos os autores inseriram-se na longeva tradição liberal, e ilustram como o
liberalismo assumiu diversificadas facetas ao longo de sua existência, que
remonta ao início da história moderna. Pertencentes a gerações distintas, tendo
Fidelino de Figueiredo produzido a maior parte de sua obra na primeira metade
do século XX, e Merquior na segunda metade do mesmo século, observam-se também
diferenças contundentes no liberalismo de cada um.
Em
termos esquemáticos, impostos pelos limites de tempo do evento, situei o
pensamento liberal de Fidelino numa linhagem marcada pelo que identifiquei como
pessimismo conservador, e o de Merquior numa outra linhagem, marcada pelo
otimismo pessimista. Tal caracterização, diga-se de passagem, teve toda a
cautela em evitar sugestionar qualquer juízo de valor. Acresceu-se que o
liberalismo fideliniano impôs-se, acima de tudo, como visão de mundo
direcionada por uma ótica predominantemente ética. Desse modo, em pleno
contexto da Guerra Fria, o escritor português criticou tanto o autoritarismo de
origem marxista quanto o desdobramento econômico do liberalismo, isto é, o
capitalismo. Por outro lado, José Guilherme Merquior abraçou o ideário liberal,
especialmente durante a década de 80, numa perspectiva ampla (cultural, social,
política, ética), na qual se incluía, sem temor, o aspecto econômico. Para o
autor brasileiro, o capitalismo era sim superior, em seus resultados
históricos, à alternativa socialista/comunista, conquanto fosse vantajoso senão
impositivo, a depender das circunstâncias nacionais, implementar-se uma espécie
de conjugação dialética entre as duas soluções, encerrada nos termos do
social-liberalismo. Com essa plataforma Merquior, na companhia de outros
autores, procurava fazer equilibrar a ênfase na liberdade (do cidadão e do
mercado), preconizada pelo capitalismo liberal, e a ênfase na igualdade social,
almejada pela utopia marxista, na tentativa de não permitir que a política
nacional recaísse no libertício das ditaduras comunistas (URSS, Cuba, Coreia do
Norte, China), mas tampouco no darwinismo social de um Estado de intervenção
mínima.
Importar
informar que me baseei, de Fidelino de Figueiredo, especificamente em quatro
títulos: O dever dos intelectuais
(1935), Um colecionador de angústias
(1951), O medo da história (1956) e Diálogo ao espelho (1957); de José
Guilherme Merquior, especialmente os títulos O argumento liberal (1983) e O
liberalismo: antigo e moderno (1991).
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