segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

“Os ciprestes do Aquileion ou pão e petit-pois”

Mas o importante é que, nele [Henrich Heine], o receio do barbarismo nunca virava antiplebeísmo histérico, elitismo perverso.

José Guilherme Merquior

“Heinrich Heine (1797-1856) talvez tenha sido o último grande poeta europeu em cuja obra se casaram crítica da cultura e progressismo político-social.” (1981, p.5) Não deveremos estar longe da verdade, se dissermos que o autor dessa frase talvez tenha sido ele mesmo o último grande crítico literário brasileiro em cuja obra se casaram o mesmíssimo par: crítica da cultura e progressismo político-social.

A citação do parágrafo acima pertence às linhas introdutórias de mais um dos textos que José Guilherme Merquior publicou na prestigiada revista literária portuguesa Colóquio/Letras, no caso o número 59 de janeiro de 1981. Em tempos de uma crítica que, em nome da objetividade e da cientificidade, menosprezou a função de julgar, postura incentivada pelo estruturalismo dos anos de 1960 e 70... em seguida, em tempos de uma crítica que, em nome da crítica à objetividade e à cientificidade, compreendeu que o julgamento não era uma questão de razão, mas de poder, mentalidade que o pós-estruturalismo ajudava a moldar ao longo do último quartel do século passado... Merquior, nesses dois períodos, nunca abriu mão das credenciais de cobrar à literatura um pendor ideológico afinado com tradições liberais.

E crítica da cultura e progressismo político-social seriam, de fato, as mais valiosas contribuições, segundo o autor de As ideias e as formas, que a literatura e as artes em geral teriam a oferecer, com o que, aliás, estas ainda se autojustificariam na contemporaneidade. Pois o ensaísta brasileiro conservou sempre para si um lema repetido em artigo sobre o italiano Elias Canetti, o qual “se deixa compreender melhor à luz da sua concepção do papel do escritor, definida numa homenagem aos cinquenta anos de Hermann Broch: o grande escritor é a um só tempo uma exalação da sua época, e seu adversário crítico”. (1983, p.44-45)

Numa interpretação merquioriana dessa máxima, ser uma “exalação da sua época” e, ao mesmo tempo, “adversário crítico da sua época” significa que o escritor deve atentar-se ao mundo em redor, compreendendo que a literatura, embora autônoma em relação à realidade externa, precisa estar com ela em consistente diálogo, e não se fechar nos caprichos de uma criação autoritária. Em outras palavras, cabe à literatura tanto comunicar o mundo quanto se comunicar com o mundo. Nesse processo criativo, a visão crítica seria ingrediente insubstituível, para que se evite produzir um cômodo e mero reflexo da realidade e para que a obra literária contribua, efetivamente, para o progresso político-social.


O ensaio publicado na Colóquio/Letras, intitulado eruditamente “Os ciprestes do Aquileion ou pão e petit-pois”, objetiva mais do que elucidar a condição cosmopolita e iluminista do poeta de língua alemã de ascendência judaica na cultura europeia do século XIX: o ensaio afirma o exemplo de Henrich Heine e sua “literatura como ‘crítica da vida’, que ainda não odiava o curso da história, [e] ia de par com a luta pelo progresso social”, contra os “nossos dias de permissividade oficial e autoculpabilização burguesa”. (1980, p.11) E esses dias, verdade seja dita sem qualquer tom de novidade, ainda não acabaram.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Caminhos de um exemplar

Eu sabia que estava adquirindo um exemplar autografado de O elixir do apocalipse, livro que José Guilherme Merquior publicou pela editora Nova Fronteira em 1983. Mas não imaginava que o próprio autor, em Londres, em julho de 1986, o enviara a ninguém menos que Nicolau Sevcenko, que, por sua vez, lhe tinha remetido exemplar do estudo hoje clássico Literatura como missão.