Ø “Rodapés, tratados e ensaios: a
formação da crítica brasileira moderna”, de Flora Süssekind.
In Papéis colados. 2ª ed. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2002. pp.15-36.
Merquior
não é o foco dessas páginas, mas nelas sua condição de crítico literário é
compreendida e seu nome, citado. Partindo do embate, que ganhou estatuto de uma
das mais relevantes polêmicas de nossa história cultural, entre a chamada
crítica de rodapé (ou impressionista) e a crítica de cátedra (ou acadêmica),
esta defendida por Afrânio Coutinho, Flora Süssekind enquadra o autor de A astúcia da mímese entre os críticos
que surgiram em fins da década de 1960 que “jamais abandonaram uma dicção
ensaística”, nem sendo propriamente pertencente ao primeiro, tampouco ao
segundo grupo. (p.34)
Ø “Crítica literária no Brasil, ontem
e hoje”, de Benedito Nunes. In MARTINS, Maria Helena (org.). Rumos da crítica. 2ª ed. São Paulo:
Senac; Itaú Cultural, 2007. pp.51-79.
Também
não se trata de texto especialmente dedicado à obra merquioriana, mas o autor
paraense não ignora a importância do ensaísta e diplomata carioca dentro da
história da crítica literária brasileira novecentista. Benedito Nunes já havia
resenhado, em série de três artigos publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais de 1973, o livro Saudades do carnaval. Nesse texto, o
saudoso filósofo e professor da UFPA irmana José Guilherme Merquior e Luiz
Costa Lima no tocante à “retomada do conceito clássico de mimesis [Merquior preferia escrever, nesse caso, “mímese”], o
aproveitamento do método de Lévi-Strauss [...] e a específica caracterização da
literatura brasileira e estrangeira modernas [...]”. (p.69) Por outro lado, se
diferenciariam, segundo Benedito Nunes, Merquior pela retomada e Costa Lima
pela recusa da estética, atitude que, no caso do autor maranhense, o conduzirá
a elaborar o conceito de “controle do imaginário”.
Ø “Merquior: dois momentos e duas
dimensões”, de Marcos Castrioto de Azambuja. In LAFER, Celso
et alii. José Guilherme Merquior, diplomata. Brasília: IPRI, 1993. pp.25-30.
Texto
de interesse eminentemente biográfico, publicado em volume importante para se
tomar conhecimento e compreender a vida profissional e intelectual de José
Guilherme Merquior, além de aí se ter acesso ao discurso que ele pronunciou
como orador da turma do Instituto Rio Branco, em 1963. Marcos Castrioto de
Azambuja registra que, em 1977, Merquior se submeteu, como voluntário, impelido
unicamente pelo desafio intelectual, ao 1º CAE (Curso de Altos Estudos), sistema
de treinamento e qualificação na carreira diplomática que o Instituto Rio
Branco implantava e que se tornaria, como ainda hoje, obrigatório para a
progressão funcional como ministro de segunda classe.(cf.http://www.institutoriobranco.mre.gov.br/pt-br/curso_de_altos_estudos_-_cae.xml)
Tendo sido avaliado por banca examinadora de que participou o autor do
depoimento, Merquior defendeu com brilhantismo o trabalho intitulado O problema da legitimidade em política
internacional.O outro momento/dimensão anotado por Castrioto de Azambuja se
refere à postura do colega, em 1990, frente ao câncer avassaladorque o levaria
a falecer em janeiro do ano seguinte: “Os amigos – e eu fui um entre vários – recebiam
pelo telefone ou por escrito os boletins de saúde precisos que ele mesmo
compunha. Tudo era rigor e método. Não sobrava espaço para a autocomiseração.”
(p.23)
Diante
desse impressionante relato, acerca de um homem que, ciente da iminência da
própria morte, não declina de seu amor à razão e à inteligência metódica, me
lembro de célebre soneto no qual Gregório de Matos dramatiza a luta de padre
Antônio Vieira, outro “imperador da língua portuguesa”, contra a mesma
“indesejada das gentes”:
Corpo
a corpo à campanha embravecida,
Braço
a braço à batalha rigorosa
Sai
Vieira com sanha belicosa,
De
impaciente a morte sai vestida.
Invistem-se
cruéis, e na investida
A
morte se admirou menos lustrosa,
Que
Vieira com força portentosa
Sua
ira cruel prostrou vencida.
Porém
ele vendo então, que na empresa
Deixa
a morte à morte: e ninguém nega,
Que
seus foros perdia a natureza;
E
porque se exercita bruta, e cega
Em
devorar as vidas com fereza,
A
seu poder rendido a sua entrega.
Ø “José Guilherme Merquior: um
depoimento pessoal”, de Luiz Felipe Seixas Corrêa.
In LAFER, Celso et alii. José Guilherme Merquior, diplomata.
Brasília: IPRI, 1993. pp.21-24.
Outro
texto de interesse eminentemente biográfico. O também diplomata Seixas Corrêa
conviveu com Merquior e o sucedeu em mais de um cargo no serviço público. Seu
depoimento noticia a atuação do colega ilustre no México, onde se
responsabilizou pela fundação, em 1988, da cátedra Guimarães Rosa, da Faculdade
de Filosofia e Letras da Universidade Nacional Autônoma, que objetivava
constituir ponte de diálogo entre intelectuais brasileiros e mexicanos. Luiz
Felipe Seixas Corrêa destaca também o papel da convivência política no país de
Octavio Paz na consolidação argumentativa do pensamento liberal merquioriano.
Cabe aqui assinalar que o autor do depoimento emprega o termo “neoliberal” para
classificar a militância de Merquior, que, na verdade, rechaçava o
neoliberalismo (o Estado como guarda do trânsito social e econômico), em favor
do social-liberalismo (defesa da necessidade de intervenções mais
significativas do Estado no setor).
Não
posso deixar de transcrever relato do episódioda década de 1970 (50% fato; 50%
piada; 100% engraçado) que envolveu o então Secretário da embaixada brasileira
em Bonn (Alemanha), José Guilherme Merquior, e uma brasileira descendente de
alemães, que havia trabalhado no consulado de Stuttgart e veio a ser
transferida para secretariar o futuro membro da Casa de Machado de Assis:
“Estava Merquior ditando minuta de
telegrama para a jovem quando foi interrompido.
– Secretário: sucessão é com “ç”,
não é?
– Não, minha filha, respondeu ainda
pacientemente Merquior, é com dois “esses”!
– Ih, comentou a moça, não sei,
não! O Cônsul em Stuttgart sempre escrevia com “ç”!
Mais adiante no ditado, uma nova
interrupção:
– Secretário: jeito é com “g”, não
é?
– Não, minha filha, respondeu já
impacientemente Merquior, jeito sempre foi com “j”! Não agrida o português!
Mas a jovem não parecia convencida:
– O Cônsul sempre escreveu jeito
com “g”!
– Pior para o
Cônsul!,exclamouMerquior e prosseguiu o ditado.
A terceira interrupção foi
decisiva:
– Secretário, projeção se escreve
com “g” e dois “esses”, não é? Pelo menos – já foi adiantado – era como o
Cônsul escrevia!
A reação de Merquior foi de
profunda exasperação: – A Senhora aqui escreve como eu mandar e não como
escrevia o Cônsul – projeção é com “j” e “ç” e está acabado!
Imperturbável, a secretária riscou
o que havia rabiscado, reescreveu a palavra com a grafia determinada por
Merquior e, balançando resignadamente a cabeça, comentou com um suspiro:
– É! Cada um tem o seu estilo!” (p.26)
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