Admirados
e espantados pela quantidade e pela qualidade do legado intelectual de José
Guilherme Merquior (cerca de duas dezenas de livros, numerosos textos esparsos,
uma bibliografia ainda influente e atual), e entristecidos pelo falecimento
precoce do autor (aos nem 50 anos de idade), à mente de muitos de nós costumam
vir palavras como: “Parecia que ele tinha pressa em ler, aprender e escrever
muito porque pressentia a própria morte para muito em breve.”
São
palavras pertencentes à mesma espécie dos lugares-comuns ouvidos em velórios: “desta
vida não se leva nada; para morrer basta estar vivo”, etc. Ou seja: é um
pensamento boboca, bem ao gosto ultrarromântico, que explicou, no século
retrasado, a morte de um Álvares de Azevedo, aos 20 anos, mas que desagradaria,
irritaria o próprio Merquior, homem de razão, avesso a elucubrações de ordem
mística ou de inconsciente, ainda mais em estado de clichê.
O
que houve foi uma mera, e sim, é verdade, trágica coincidência de mais servira
se não fora para tão longa obra tão curta vida. Beethoven morreu aos 57 anos e
compôs, em termos numéricos, significativamente menos do que Mozart, que morreu
aos 35; idade em torno da qual Rossini abandonou a carreira de compositor, para
só vir a falecer aos 68 – caso semelhante, na literatura, ao de Rimbaud.
Johannes Brahms, ultraperfeccionista, deixou obra bem menor que a de Beethoven,
e deixou a vida 10 anos mais velho.
Aos
cinquenta, em 1875, Camilo Castelo Branco já tinha escrito uma das maiores
obras literárias em língua portuguesa. Se o Romancista de Ceide, como Balzac,
se estafou com a pena em punho, fosse porque pressentisse que iria morrer cedo,
fosse porque vivia desse ofício pouco rendoso, contou com mais quinze anos,
durante os quais escreveu mais outra prateleira. Outro titã da tinta e do papel,
em Portugal, foi Teófilo Braga, cuja existência longeva (entre 1843 e 1924)
resultava, já cinquentão, numa obra filosófica e de crítica literária, pelo
menos quanto ao volume, de impor respeito. Para ficarmos em território
nacional, podemos mencionar a contribuição de Assis Brasil. Nascido em 1932
(hoje, portanto, aos 83 anos), o escritor piauiense se consagra com uma das
mais volumosas obras literárias produzidas por brasileiro (ultrapassa os 100
títulos).
José
Guilherme Merquior escreveu e publicou tanto simplesmente por ter se disposto
intelectual e fisicamente para essa tarefa. Uma platitude, eu sei. Se não
tivesse sido levado pelo câncer, é muito provável que continuasse a escrever e
publicar. Ou não, como diria o por ele intitulado “intelectual de miolo mole”.
Não importa. O importante é a lição de Merquior, o professor da escola de viver
o melhor e mais sensatamente possível, que ensinava ser um obscurantismo
anacrônico, uma infância mental peter-panesca nos deixarmos assombrar, já no
século XX e ainda no XXI, pelos velhos fantasmas românticos do irracionalismo.
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