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Post QMM: 27 de maio de 2017
O
universo merquioriano sofre mais uma perda, poucos dias após o falecimento de
Eduardo Portella. Nesta sexta-feira, internado no hospital paulistano Albert
Einstein, morreu Antonio Candido de
Mello e Souza, aos 98 anos de idade, em decorrência de problemas no intestino. Trata-se,
como muito bem se sabe, ou se devia saber, do maior crítico literário
brasileiro, com projeção internacional, contando-se entre suas contribuições
nada menos do que Formação da literatura
brasileira (1959).
Para
José Guilherme Merquior, Antonio Candido produziu, de fato, uma crítica
literária de excelência e que correspondia à perfeição ao que o autor de Razão do poema concebia e defendia como
a melhor abordagem de análise e compreensão da literatura. Em seu texto-homenagem
ao professor da USP que se aposentaria no fim da década de 1970, Merquior declarava:
Não
ignoro que o exemplo da obra e do ensino de Antonio Candido foi talvez o
principal antídoto contra a estruturalice (e agora, as pós-estruturalices) nos
nossos estudos de letras. Graças, em grande parte, ao seu influxo, a nova
crítica brasileira esteve longe de sucumbir totalmente à hipnose formalista.
(1979, p.122)
Mais
adiante, nosso pensador do liberalismo confessava:
Pessoalmente,
foi nele (para não falar de várias outras sugestões de Mestre Candido) que me
inspirei (em De Anchieta a Euclides)
ao tentar divisar a função latente do momento seguinte na história de nossas
letras: o pós-romântico visto como fase de sofisticação técnico-intelectual do
nosso sistema literário; como nele tornaria a me inspirar, ao debuxar o perfil
da função do modernismo como aprofundamento do potencial de autognose da
cultura brasileira. (1979, p.124)
É
que a visão literária de Candido, sociólogo de formação e, como Merquior
posteriormente, ex-aluno de Lévi-Strauss, se lançava a compreender o fenômeno
poético na sua integração fundamental com as dimensões sociais – pedra angular
do edifício teórico-crítico merquioriano. Nas palavras desse que esteve entre os
primeiros alunos da então recém-fundada Universidade de São Paulo, “só a
podemos entender [a obra literária] fundindo texto e contexto numa
interpretação dialeticamente íntegra”, e que “o externo (no caso, o [aspecto] social) importa, não como causa, nem
como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição
da estrutura, tornando-se, portanto, interno”.
(1980, p.4)
Nascido
no Rio de Janeiro, criado em Minas Gerais e formado em nível universitário em
São Paulo, Antonio Candido escrevia, ensinava e falava numa linguagem sempre didática,
límpida e, sobretudo, encantadora. Além do legado intelectual, deixa para nós
um exemplo ético-pedagógico: humilde, procurou compreender o Brasil tanto
quanto procurou ser compreendido pelos brasileiros.
Referências bibliográficas:
CANDIDO,
Antonio. Literatura e sociedade:
estudos de teoria e história literária. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1980.
MERQUIOR, José
Guilherme. O texto como resultado: notas sobre a teoria da crítica em Antonio
Candido in ARINOS, Afonso et alii. Esboço de figura: homenagem a Antonio
Candido. São Paulo: Duas Cidades,
1979. pp.121-131.
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