C’est au « modernismo » que revient la gloire d’avoir mis fin à la prépondérance de pareille gratuité ornamentale. En ce sens, le « modernismo » a été [...] le premier style dont les auteurs ont dépassé une conception de l’art littéraire au profit d’une orientation plus critique. [Deve-se reconhecer ao modernismo brasileiro a glória de ter dado fim à preponderância de equivaler-se a uma gratuidade ornamental. Nesse sentido, o modernismo brasileiro foi o primeiro estilo cujos autores ultrapassaram uma concepção cultual da arte literária em benefício de uma orientação mais crítica.]
José
Guilherme Merquior
O título deste post traduz “Modernisme et après-modernisme
dans la littérature brésilienne”, comunicação que José Guilherme Merquior
proferiu em um dos Colóquios de Cerisy (França), realizado em 1978. Para
dimensionarmos a importância desse evento, basta mencionar os nomes do escritor
argentino Julio Cortázar (1914-1984) e o do teórico da literatura búlgaro Tzetan
Todorov (1939-2017), que também dele participaram com comunicações.
Modernismo foi um dos assuntos pelos quais Merquior
mais se interessou. Seu livro de estreia, Razão
do poema (1965), registra, aliás, mais do que um interesse; ali não se
disfarça o entusiasmo em relação ao legado modernista brasileiro, o qual àquela
altura, conquanto já encerrado, ainda aguardava mais amplo reconhecimento.
A compreensão geral do modernismo brasileiro exposta
na comunicação de Cerisy não difere substancialmente do que Merquior ensina em
outros textos, como “O modernismo brasileiro (esquema)”, publicado em O fantasma romântico e outros ensaios
(1980).
Na verdade, o percurso é sempre o mesmo:
Ø 1º passo:
Diferencia a literatura do século XIX, marcada por uma “conception religieuse
du rôle de la création esthétique” [“concepção religiosa do papel da criação
estética”] (p. 190), da literatura moderna, esta governada por um “esprit de
ludisme” [“espírito lúdico”]. (p.191)
Ø 2º passo:
Esclarece que o caráter lúdico da literatura moderna se apresenta, no nível do
conteúdo, no “sens de l’humour et de la parodie – bref, du grotesque” [“no sentido do humor e da paródia, isto é, do grotesco”], (p.191) nisso
distanciando-se os escritores modernos da “vision tragicisante” [“visão
tragicizante”] (p.191) comum entre os escritores vitorianos. No nível da forma,
o caráter lúdico se apresenta como “désacralisation de l’oeuvre”
[“dessacralização da obra”], sendo que a obra de arte modernista “est devenue
le lieu géometrique des techniques expérimentales”
[“tornou-se o local geométrico das técnicas experimentais”],
nisso se contrastando com “l’aura sacrale de l’oeuvre-fétiche, dépositaire de
la solemnité sotériologique de l’Art” [“a aura sacra da obra-fetiche,
depositária da solenidade soteriológica da Arte”]. (p.191)
Ø 3º passo:
Aponta na literatura moderna “l’exacerbation de l’antagonisme entre les valeurs
dominantes de l’art avancé et celles de la culture bourgeoise et de la société
industrielle” [“a exacerbação do antagonismo entre os valores dominantes da
arte avançada e aqueles da cultura burguesa e da sociedade industrial”].
(p.192) Essa postura antagônica, para o autor, descamba para “l’incompatibilité
radicale entre modernisme et modernité” [“a incompatibilidade radical entre
modernismo e modernidade”]. (p.192)
Ø 4º passo:
Um dos aspectos dessa incompatibilidade
radical se concretiza na “polysémie à caractère énigmatique” [“polissemia de caráter enigmático”], (p.192) por
assim dizer, visível na “obscurité viscérale d’une si grande partie de la haute
littérature contemporaine” [“obscuridade visceral de uma grande parte da alta
literatura contemporânea”]. (p.192)
Ø 5º passo:
Recorre ao surrealismo como termo de identificação geral do modernismo europeu.
Não no sentido de uma escola ou de um movimento específico, mas surrealismo no
sentido de uma “essence de tout art moderne dans la qualité de répresentation
indirecte du refoulé” [“essência de toda arte moderna na qualidade de
representação indireta do que é reprimido”]. (p.193) Surrealismo, enfim, no
sentido de uma escrita “cryptoallégorique”
[“cripto-alegórica”]. (p.193)
Ø 6º passo:
Verifica até que ponto os modernistas brasileiros se enquadram nas
características acima explicitadas. Considerando o panteão do nosso modernismo
– Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drummond, Murilo Mendes,
Graciliano Ramos, Cornélio Penna, entre outros –, Merquior reconhece nesse conjunto
o caráter lúdico, tanto no nível da forma quanto no do conteúdo. Em
contrapartida, não observa entre eles a forte atração para o enigmatismo, para
a obscuridade, como no modernismo vanguardista europeu.
Ø 7º passo:
Ensina que, no Brasil, a criatividade inovadora do modernismo se sentiu bem
mais seduzida pela “assimilation esthétique de la réalité brésilienne”
[“assimilação estética da realidade brasileira”]. (p.194) Essa disposição teria
afastado nosso modernismo de assumir “la fonction contraculturelle du
modernisme [européen]” [“a função contracultural do modernismo europeu”],
(p.195) em benefício de um “nationalisme et régionalisme [lesquelles] avaient
une portée foncièrement universaliste” [“nacionalismo e regionalismo que alcançavam
um patamar claramente universalista”]. (p.196)
Sobre a literatura posterior ao modernismo, cujo
período histórico se esgotaria na década de 40, Merquior distingue dois momentos literários, no Brasil e lá
fora: o neomodernismo e o pós-modernismo.
Quanto ao primeiro, se os escritores europeus já não
se fascinavam tanto pelo “élément surréalisant, cryptoallégorique, de
l’écriture” [“elemento surrealizante, cripto-alegórico, da escritura”], (p.
196) os escritores brasileiros põem-se a desbravar o caminho inverso: Clarice
Lispector e Guimarães Rosa, por exemplo, considerados neomodernistas por
Merquior, ter-se-iam embrenhado no rumo da criptoalegoria. Louvável exceção no cenário neomoderno nacional, segundo o autor de
A astúcia da mímese, seria João
Cabral de Melo Neto, com o seu “mythe de la clarté dans la poésie” [“mito da
claridade na poesia”]. (p.196)
Sobre o pós-modernismo brasileiro, a caracterização
geral na comunicação de Cerisy se assenta no conceito de hiperrealismo, “au
sens général d’un art ‘mimétique’ à vocation métonimique” [“no sentido geral de
uma arte mimética com vocação metonímica”]. (p.196) O leitor familiarizado com
o pensamento merquioriano sabe que tais qualificações constituem um elogio,
cujo significado, escrevendo mais claramente talvez, é o de uma arte atenta à
realidade social, disposta mais a refletir sobre o mundo do que refletir o
mundo (“mimética”), mas de um modo parcial, “oblique et indirect” [“oblíquo e
indireto”], sem pretender alcançar uma compreensão totalizante do mundo
(“metonímica”). (p.197)
José Guilherme Merquior ainda expressava esperança
de que as letras pós-modernistas, tanto lá fora quanto aqui, prometiam um
“retour aux lumiéres” [“retorno às luzes”], impelidas que seriam por um afã
neoiluminista. (p.199) Diga-se de passagem, essa esperança não demoraria a se
frustrar, conforme se constata em textos do autor publicados poucos anos
depois.
Sendo um crítico literário que nunca quis abrir mão
de avaliar, de julgar, Merquior aquilata o legado modernista brasileiro como
extremamente positivo e produtivo. O trecho da comunicação, recortado para ser
epígrafe deste post, assevera que a
literatura no Brasil, a partir do modernismo, assume postura crítica, e assim
se distancia do comportamento ornamental típico do século XIX.
Cumpre atentar às menções a Nelson Rodrigues e a
Clarice Lispector no texto destinado ao Colóquio de Cerisy – pois se trata de escritores
pouco comentados e/ou referidos por Merquior. Possivelmente explique esse silêncio
a pouca conta em que sempre tomou o ensaísta carioca o neomodernismo
brasileiro, à exceção de João Cabral de Melo Neto.
Outro
silêncio chamativo, na comunicação, envolve o concretismo dos irmãos Campos, Décio
Pignatari, Pedro Xisto e outros. Também se sabe que a poesia concreta jamais
empolgou José Guilherme Merquior, parece que menos ainda do que a geração de 45
– um dos grupos mais atacados pelo crítico-polemista.
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