No post anterior
(publicado em 7 de maio), comentamos a comunicação “Le modernisme et après le
modernisme dans la littérature brésilienne”, pronunciada por José Guilherme
Merquior no Colóquio de Cerisy (França) de 1978. Neste de hoje, nossos comentários se referem às respostas do autor
de O véu e a máscara às perguntas e
aos questionamentos que lhe dirigiram professores ali presentes.
Destes a lista não é curta; nela constam franceses, brasileiros,
argentinos, além de outras nacionalidades. Ao todo, eram eles: Norberto Gimelfarb, Andrée Mansau, Ligia Chiappini M. Leite, Eligio
Calderón, Jacques Leenhardt, Claude Namer, Roger Duvivier, Elqui Burgos,
Neide Luzia Rezende, Olivia Gomes Barradas, Michèle Sarrailh e Arturo Arias.
Uma das perguntas mais provocativas partiu do
argentino Norberto Gimelfarb. Tendo constatado quase não haver referências a
teóricos brasileiros na reflexão de Merquior sobre a literatura do Brasil no
século XX, Gimelfarb interrogou-lhe se a lacuna decorreria de eles não existirem.
Merquior respondeu que, embora houvesse teóricos e “pseudo-teóricos” brasileiros
em fartura, nenhum deles, porém, teria até então produzido teorização histórica
do porte de Formação da literatura
brasileira, de Antonio Candido.
A resposta não consiste no único registro da alta
conta na qual Merquior teve tanto o recém-falecido professor da USP quanto sua opus magna publicada em 1959. Como esse
livro se atém ao arcadismo (século XVIII) e ao romantismo (século XIX)
nacionais, Merquior disse ter precisado, para discutir a literatura brasileira
do século XX, recorrer quase se exclusivamente a teóricos europeus, como
Theodor Adorno e Walter Benjamin.
Os franceses Gimelfarb e Andrée Mansau manifestaram
especial interesse nas relações entre os modernismos brasileiro e europeu. Merquior
se limitou à menção do futurismo italiano, que teria cumprido “le rôle de
détonateur” [“o papel de detonador”], e do surrealismo, que no Brasil teria se
apresentado de “une forme modérée” [“uma forma moderada”]. Também afirmou que a
influência de Blaise Cendrars entre Mário, Oswald e outros era “exagerada”,
pois os modernistas paulistas se informaram da arte moderna europeia por meio
de revistas estrangeiras, publicadas no Brasil desde o século XIX.
Andrée Mansau inquiriu ainda a respeito da relação
dos nossos modernistas com a sociedade brasileira, a descoberta do espaço urbano,
da população negra e das minorias. Sobre isso José Guilherme Merquior assinalou
que o modernismo brasileiro se teria distinguido do europeu por se conduzir por
um “facteur d’intégration et de légitimation culturelle” [“fator de integração
e de legitimação cultural”], e não por um “facteur de rupture et de négation”
[“fator de ruptura e de negação”]. Integração e legitimação de “expériences
multi-raciales et multi-culturelles” [“experiências multi-raciais e
multiculturais”]. (p.203) Também ressaltou o autor de Verso universo em Drummond que o modernismo surgiu por aqui sob a
motivação da modernização social e o desejo de “rénovation technique de la
littérature” [“renovação técnica da literatura”] (p.203)
Uma particularidade do nosso modernismo em face da
história literária brasileira, segundo Merquior, é sua “verve particulièrement
créatrice et non comme une simple double” [“verve particularmente criativa e
não como uma simples duplicação”], o que teriam sido antes o romantismo e o
realismo entre nós.
A brasileira Ligia M. Leite fez dois questionamentos
a José Guilherme Merquior. Um acerca da suposta seriedade excessiva dele ao
tratar do modernismo, uma estética nutrida de muita gozação (o termo empregado, em português, na fala em francês da
professora é esse mesmo). O outro questionamento disse respeito aos trabalhos
desenvolvidos por pesquisadores orientados por Antonio Candido, que já
enfocavam a literatura modernista no Brasil.
Merquior respondeu a Ligia M. Leite que, não
obstante a postura gozadora do
modernismo, não caberia aos estudiosos do assunto assumi-la, e sim “prendre une
distance historique, même s’il s’agit de la tradition vivante des lettres
brésiliennes” [“tomar um distanciamento histórico, ainda que se trate da
tradição contemporânea das letras brasileiras”] (p.204) Sobre o outro
questionamento, Merquior insiste que “au niveau théorique il n’y a pas encore
de texte majeur sur la nature et la signification du modernismo (sic)” [“em
nível teórico não há ainda nenhum texto proeminente sobre a natureza e a
significação do modernismo”].
O também francês Claude Namer perguntou a Merquior
se o modernismo brasileiro teria sido de fato um movimento popular, quais
teriam sido suas relações com a literatura de outros países latino-americanos e
se concordava que as artes plásticas contemporâneas no Brasil teriam herdado
algo do modernismo.
Merquior concordou com o professor Namer a respeito
da influência modernista sobre as artes plásticas, especialmente sobre a
arquitetura, como ilustraria a concepção de Brasília. A respeito da efetiva
popularidade do modernismo, José Guilherme Merquior esclareceu que houvera,
sim, um caráter popular na estética modernista, mas que isso não implicaria o
envolvimento efetivo da população na força do movimento. O crítico brasileiro,
a propósito, destaca a baixa escolaridade e o alto índice de analfabetos no
País naquela época.
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