Verso universo
em Drummond representa para Nelson Ascher o
“apogeu” da crítica literária merquioriana. Todavia, Ascher julga que nesse
livro:
[...]
as análises elaboradamente descritivas pouco têm de realmente iluminador ou
instigante, menos ainda de nuançadamente valorativo e nada de muito
surpreendente.
(disponível
em
"A canonização do bom reaça")
O amplo estudo de Merquior dedicado à poesia de
Carlos Drummond de Andrade, ainda no entendimento de Nelson Ascher, “serviria
antes para dispensar outros críticos de uma trabalheira preparatória com a obra
do poeta, permitindo-lhes passar logo para as fases seguintes de seus estudos”.
(disponível em "A canonização do bom reaça")
Se Verso
universo em Drummond consiste na realização máxima da crítica literária
merquioriana, mas pouco tem de realmente
iluminador ou instigante, conclui-se que, segundo Ascher, José Guilherme
Merquior seria o caso de um crítico que poderia ter sido, mas não foi.
Não concordamos com tal conclusão. Antonio Candido,
o maior crítico literário brasileiro de todos os tempos, falecido em 2017,
também não concordaria. Haja vista a primorosa análise da “Canção do exílio”,
de Gonçalves Dias, em “Poema do lá”, texto publicado em Razão do poema, interpretação altamente elogiada pelo grande autor
de Formação da literatura brasileira.
Contudo, uma leitura limpa de incenso hagiográfico,
nos força a endossar a avaliação específica de Verso universo em Drummond de Nelson Ascher.
Publicado em 1975 pela editora José Olímpio em
parceria com a Secretaria de Estado de Cultura, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro, Verso universo em Drummond resultou
da tese que Merquior tinha defendido em 1972, para obter o título de doutor pela
Universidade de Sorbonne. O trabalho se desenvolveu sob orientação do professor
Raymond Cantel, foi aprovado com louvor e, de fato, se tornou, com a tradução
de Marly de Oliveira, leitura fundamental, incontornável para quem deseja
aprofundar o conhecimento da poesia drummondiana e conhecer a história da
recepção crítica do poeta mineiro.
As numerosas referências a Verso universo em Drummond atestam sua importância. Como as que
encontramos em dois livros do estudioso britânico John Gledson, Poesia e poética de Carlos Drummond de
Andrade (1981) e Influências e
impasses: Drummond e alguns contemporâneos (2003). Francisco Achcar o recomenda, numa lista de apenas cinco títulos,
como bibliografia mínima e introdutória a respeito da obra drummondiana, em Carlos Drummond de Andrade (2000) da
série Folha Explica.
Mas não se tem reparado em certos aspectos da
linguagem e da estrutura textual de Verso
universo em Drummond. Conquanto se trate de uma tese de doutoramento, o
trabalho ostenta, sobretudo, características da forma ensaio. Primeiro porque
não há aí propriamente nenhuma tese. Que grande sacada motiva o estudo?
Nenhuma. Também as análises não partem de nenhum marco teórico. Conceitos e
interpretações de outros autores, como a mescla estilística de Auberbach e o
palavra-puxa-palavra de Otto Moacyr Garcia, são acionados como que ao sabor da
pena, sem qualquer compromisso metodológico.
Tais aspectos da linguagem e tal estrutura textual
nos levam a crer que Verso universo em
Drummond não foi uma tese convertida em livro, mas um estudo escrito para
ser um livro, que, antes de publicado como tal, foi apresentado como tese. Ao
sabermos que seu outro orientador, Ernest Gellner, implicou com o caráter ensaístico
da tese Weber e Rousseau, defendida por
Merquior para obter o grau de PhD pela London School of Economics, podemos
aquilatar a rebeldia anti-acadêmica da linguagem merquioriana.
Noticia-se que o professor francês Raymond Cantel,
antes de ceder a palavra à defesa de José Guilherme Merquior de sua tese sobre Drummond,
teria assumido que a banca estava ali, acima de tudo, para aprender. E
distinguiram a aprovação do trabalho com louvor. Propalado como mais um feito
espantoso de sua biografia, talvez seja o caso de nos lembrar do que Merquior
ele mesmo costumava dizer sobre admirarem sua erudição:
“Minha famigerada erudição, já
cansei de insinuar, mal passa de uma ilusão de ótica. Na maioria das vezes em
que é indigitada, ela parece refletir apenas a ignorância dos que a acusam.”
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