Entre 3 e 5 de dezembro de
2013, realizou-se, no campus da UFPR,
em Curitiba, evento denominado Literatura, identidade e cultura nos noventa
anos de Eduardo Lourenço. Recebemos o grato convite para pronunciar uma
comunicação. Propusemos a de título “Eduardo Lourenço e José Guilherme Merquior:
visões de aquém e além-mar sobre o modernismo”.
Para
quem o desconhece, Eduardo Lourenço é um dos maiores nomes do pensamento português
do século XX. De formação filosófica, concentrou suas reflexões na literatura
pátria, de onde vem, há tanto tempo, visando a apreender a mitologia do povo
português. Pois, que outra manifestação cultural de nossa ex-metrópole se
ombreia com a importância milenar da literária? A ideia laurencina de
mitologia, em breves palavras, se encerra numa compreensão histórica para além
do factual, compreensão que se volta, sobretudo, para como a história se realiza
no imaginário de um povo, de modo a se configurar como identidade-cultura.
Nisso residia o cerne de nossa tentativa de aproximar, comparativamente, o
pensador português e o brasileiro, afastados entre si não apenas em termos geográficos, mas também de geração
(Lourenço nasceu em 1923; Merquior, em 1941).
A comunicação analisava dois textos específicos:
“Da literatura como interpretação de Portugal” e “Guimarães Rosa e o terceiro
sertão”. No primeiro, a hoje célebre conferência proferida em 1975, que integra
o volume O labirinto da saudade (1978), Eduardo
Lourenço rastreia o percurso de mais de um século da produção literária de seu
país, do romântico Almeida Garrett ao modernista Fernando Pessoa, no intuito de
defender que a problematização da nação portuguesa é o principal motivador
criativo desses autores que se tornaram canônicos. Além disso, segundo o autor
de Heterodoxias, estaria na mudança
radical de lidar com essa tradição de pensar a pátria em forma literária, o
ponto de apoio a partir do qual se teria afirmado a ruptura modernista em
Portugal.
Em “Guimarães Rosa e o terceiro
sertão”, texto datado de 1997, coligido em A
nau de Ícaro (1999), Lourenço aborda a literatura brasileira. Esse fato revela a
amplitude lusófona, e não somente lusitana, do horizonte de seus interesses.
Aliás, o autor português chegou a lecionar na Universidade Federal da Bahia, na
década de 1950. O que nos instigou no texto em questão refere-se à revisão
contestadora relativa ao marco da autognose cultural promovida pela literatura
no Brasil. Para Lourenço, mais responsável por esse novo e inovador grito do
Ipiranga do que a Semana de Arte Moderna de 1922 e suas consequências, teria
sido a obra de Euclides da Cunha, especialmente Os sertões, publicada em 1902, na medida em que ela converte o
espaço sertanejo no espaço mítico nacional.
Objetivamos verificar, em nossa
comunicação, a validade das hipóteses de Eduardo Lourenço, com base no
postulado merquioriano do casamento entre as ideias e as formas, a nosso ver,
consistente em “Da literatura como interpretação de Portugal”, a ponto de
esclarecer ou evidenciar um critério estético-ideológico do cânone literário
português, mas claudicante em “Guimarães Rosa e o terceiro sertão”, por
desconsiderar as inovações da forma/linguagem propostas pelo grupo de Mário de
Andrade e Oswald de Andrade e seus herdeiros.
Seja como for, deixamos de fora da
comunicação uma passagem de “Cultura e lusofonia ou os três anéis”, texto de
Eduardo Lourenço, também pertencente ao livro A nau de Ícaro, no qual o autor sublinha a autonomia da cultura
brasileira frente a Portugal, assim caracterizando nosso País:
O Brasil real, o Brasil profundo, o Brasil que quase há
dois séculos é uma nação independente, com uma cultura poderosa, o Brasil de
Machado de Assis, de Guimarães Rosa, de José Guilherme Merquior [...].
(LOURENÇO, Eduardo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.168.)
Tal reconhecimento dispensa nosso
comentário.
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