O
GEM reuniu-se ontem para ainda discutir “Crítica, razão, lírica”, ensaio que
integra a segunda parte, dedicada à estética, de Razão do poema (1965). Também se oficializou o ingresso de mais um
integrante no grupo, o graduando do curso de Licenciatura Plena em Letras
Português da UESPI, campus de Bom
Jesus-PI, Lucas Negreiros França.
O
texto em pauta refere-se às três frentes fundamentais do sistema literário,
coincidentes com a hoje clássica definição de Antonio Candido, em Formação da literatura brasileira: 1) autor,
2) obra e 3) público. No tocante ao primeiro elemento, que envolve mais
especificamente a criação do texto lírico, o poeta, para o jovem José Guilherme
Merquior, precisa estar convicto do papel da razão, que deve coordenar e
supervisar a participação da fantasia, das sensações e dos sentimentos. Empreendendo
um “ataque contra a abundância e preeminência do elemento sensorial”, (2013,
p.191) aspectos estes comprometedores da qualidade da maior parte da tradição
poética brasileira, o ensaísta endossa a escrita de “uma poesia do pensamento”, que, de
qualquer forma, nem por isso renuncia a uma necessária “vibração emotiva”.
(2013, p.190)
Quanto
ao segundo termo acima discriminado, Merquior ratifica a autonomia da poesia
frente à realidade – “é consideração do mundo, mas sem sujeição aos seus dados,
sem pura descritividade” –, (2013, p.193) sendo que a lírica se vale de “uma
razão que enfrenta o mundo disposta a extrair dele um significado”, instaurando
assim uma “pura significação nascente”.
(2013, p.193)A observação desse enfrentamento
do mundo pela poesia, segundo Merquior, pretende evidenciar a tensão entre
arte e sociedade, que talvez possamos explicar, para fins didáticos, da
seguinte maneira: o poeta escreve num ato de crítica (não no sentido de
rejeição, mas de compreensão avessa a qualquer gesto de passividade e aceitação
dogmática) da realidade, para que a obra escrita, conquanto autônoma em relação
ao que semanticamente a motivou, estabeleça diálogos com aquela mesma realidade
social. Donde o autor ensinar tanto que a)“A poesia discute valores, não já
simplesmente os funda; e o lirismo, que era já um tipo especialíssimo de
consciência emocional, agora aparece como emoção ante um mundo-problema” (2013,
p.196) quanto que b) “Na lírica a subjetividade está essencialmente a serviço
do coletivo, a serviço dos homens, pois só assim se pode compreender que seja,
como é, atividade constitutiva de sentido.” (2013, p.194) Em outras palavras,
às quais gostaríamos de dar maior destaque:
[...]
a literatura, mesmo autônoma e
específica como atividade, não existe sem realizar-se na direção de uma
necessária causa final, e [...] essa
finalidade, é a sua grandeza, [...] esta é, sem dúvida possível, “a
profundidade e a riqueza das suas relações com a realidade-afetiva”. (2013,
p.200)
Finalmente, sobre o
terceiro elemento, no ensaio representado pela crítica literária, esta também
não está dispensada de munir-se de uma postura por excelência compromissada com
a razão, pois “A leitura do poema intelectualizado [...] parece exigir a
atenção da inteligência leitora”. (2013, p.193) Como gratamente esclarece
Eduardo Portella a respeito do contexto de publicação de Razão do poema, José Guilherme Merquior, com esse livro,
manifestava-se contrário à recaída impressionista da crítica no momento (década
de 1960), decerto estimulada por soluções literaturizantes
como remédio ao secular complexo de inferioridade dos críticos diante da
literatura. Nesse ensaio de Razão do
poema, Merquior apontava para outro caminho, assim pensando:
À
crítica sempre competiu fazer a “política” da literatura nova. Quando falhou
nessa missão, foi preciso que os poetas se tornassem críticos: Pound e Eliot;
mas essa não é decerto a melhor solução. Crítica e poesia, crítica e
literatura, não são, nem nisso, estanques: mas se conservam como funções distintas.
(2013, p.201)
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