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GloboNews exibiu ontem, ao vivo, no programa Diálogos com Mário Sérgio Conti, entrevista com o filósofo e
professor da USP José Arthur Giannotti. O assunto em foco foi a política
brasileira, nestes tempos conturbados, em que tramita processo de impeachment contra a presidente da
República Dilma Rousseff, sucedem as investigações e julgamentos das chamadas
operação Lava-Jato e Zelotes, e a economia nacional padece uma de suas piores
crises no século atual.
Giannotti,
em setembro de 1987, publicou na revista Novos
estudos CEBRAP artigo intitulado “O tema da ilustração em três registros”,
no qual comenta os livros Ensaios de
filosofia ilustrada, de Rubens Rodrigues Torres, As razões do iluminismo, de Sérgio Paulo Rouanet, e O marxismo ocidental, de José Guilherme
Merquior, todos então recém-publicados.
No
texto, o docente universitário se
aplica a distinguir as obras em questão em dois gêneros específicos: o
propriamente acadêmico-científico, rótulo adequado ao livro de Rubens Rodrigues
Torres, e o ensaístico-retórico, classificação atribuída aos de Rouanet e
Merquior. Quanto a este último autor, considerando sua fama de polemista
altamente numeroso em matéria de publicações, Giannotti asseverava:
É
ser tolo e contraproducente torcer o nariz diante deste fenômeno muito novo que
atravessa a cultura de massa contemporânea. Milhares de intelectuais gostariam
de ocupar a posição de José Guilherme Merquior no panorama de nossas letras,
mas, infelizmente, existe só um Merquior. Antes de combatê-lo como inimigo da
cultura [?], cabe elogiar o trabalho de dissolução que ele faz com mestria,
afirmando um liberalismo e uma liberdade de espírito de que a cultura
brasileira carece, e muito. Para que haja o filósofo é necessário o sofista,
para que haja o estadista é necessário o militante, um é complemento do outro.
Aqueles que pretendem ser filósofos precisam compreender essa dualidade e
ressaltar em Merquior o que ele tem de produtivo: ele é um mestre indiscutível
da retórica. Não cabe comparar seus livros com teses de doutoramento, pois esta
não é sua intenção nem sua função. Também na cultura vale o ditado: cada macaco
no seu galho. (Giannotti, 1987, p.11-12)
É
evidente que José Arthur Giannotti aí desqualificava a validade de O marxismo ocidental e mesmo do conjunto
da obra merquioriana como contribuição efetiva ao avanço do conhecimento, –
avanço exclusivamente, segundo o filósofo paulista, de competência de
professores de universidades, da espécie do próprio Giannotti e do conhecido
tradutor de Nietzsche, Rubens Rodrigues Torres. Portanto, o único galho
concedido aos autores simiescos de Verso universo em Drummond e de Mal-estar na modernidade era o da
difusão-dissolução do conhecimento
conquistado pela academia.
A
fundamentação dessa crítica enfática perfumada de um reconhecimento pouco
lisonjeiro se respalda, no caso de Merquior, na acusação de que “O marxismo ocidental estropia um
filósofo atrás do outro”, (Giannotti, 1987, p.12) e de que “a oposição clássica
razão-irrazão”, à qual os pensamentos merquioriano e rouanetiano se aferram, na
defesa desabrida do primeiro termo, só poderia, em pleno século XX, “ser
meramente retórica” porque “deixa de ter sentido”. (1987, p.13) Desse modo:
“[...] tanto a polêmica de Merquior quanto o programa racionalizador de Rouanet
necessitam duma rede categorial mais fina.” (1987, p.14)
Polemista
vocacional, José Guilherme Merquior não deixaria o xará sem interlocução. Três
meses depois, a mesma revista publica “Retórica ex cathedra”. Nesse pequeno
artigo, explicita os prejuízos semânticos da tradução brasileira de O marxismo ocidental – “longe de ser perfeita”
–, (1987, p.9) e rebate, com a veemência típica de sua verve, “a mimosa
qualificação de sofista e retórico”, (1987, p.10) acusando o filósofo paulista
de ter apresentado “apenas mais uma peça de auto-advocacia universitária”, munida
de um
[...]
argumento, enfim, ostensivamente retórico, baseado no sofisma segundo o qual a
origem dos textos filosofantes – ou, o que é pior, a intenção que o crítico
arbitrariamente lhes atribui – é o elemento determinante do seu grau de rigor e
seriedade. (Merquior, 1987, p.10)
Apesar
de assim ter reagido em defesa da própria obra, desqualificada nos seus
propósitos intelectuais diante de uma linguagem acadêmica tida como cientificamente
mais válida e confiável, em confronto que me parece uma variante da campanha-polêmica
travada por Afrânio Coutinho contra a crítica literária impressionista entre os
anos 40 e 60, José Guilherme Merquior, curiosamente, não contesta José Arthur
Giannotti no tocante à questão do racionalismo/irracionalismo. Por que esse
silêncio?, impõe-se ao leitor a pergunta.
Quase
três décadas mais tarde, contudo, Giannotti posicionou-se, no programa da GloboNews
de ontem, de modo a chegar ao consenso, não no campo filosófico, mas no
político-econômico, com Merquior. É que o fundador do Partido dos Trabalhadores
se autoidentificou como voz de certa esquerda que não comunga do populismo
latino-americano em fase de franco esgotamento nesses últimos anos. Para o
professor da USP, as políticas sociais são necessárias em países como o Brasil,
mas só são possíveis graças à criação de
riqueza, e são apenas sustentáveis, hoje, com o bom funcionamento do
capitalismo. É justamente esta a consciência que caracteriza o social-liberalismo
defendido nos anos 80 por José Guilherme Merquior.
Corrigindo: "Fundador do Partido Social Democrata Brasileiro". Gianotti não é a Chauí.
ResponderExcluirFico feliz que outras pessoas se interessem pelo trabalho de Merquior.
ResponderExcluirContinuarei acompanhando as novidades do Blog.
A propósito, o grupo de Estudos é de que cidade?
Caro Bruno Frank: muito felizes com sua visita e agradecemos seu comentário.
ResponderExcluirO grupo tem sede no campus da UESPI de uma pequena cidade ao sul do Piauí chamada Bom Jesus.
Grande abraço!