Wilson
Martins é uma alma crítica entortada pelo defeito mais sério que pode ter um
oficial de nosso ofício: não sabe, coitado, admirar. Sua obra ultraprolífica vive
torcendo o nariz. Quase nada lhe agrada, nem velho nem novo [...].
José
Guilherme Merquior (in “O martinete”)
José Guilherme Merquior se consagrou como um dos
maiores polemistas brasileiros do século passado. Erudito, inteligente, de
argumentação pronta e aguda, linguagem estilosa e ferina, o autor de O marxismo ocidental se divertia tanto
em travar duelos de ideias e palavras, que Sergio Paulo Rouanet, em evento
ocorrido na Academia Brasileira de Letras, por ocasião dos 10 anos completos da
morte do grande amigo, brincou, ao concluir seu depoimento: “[...] Merquior
[...] com certeza deve estar pairando nesta sala, impaciente por não poder
polemizar conosco, discordando de tudo o que foi dito aqui.” (p.259) [texto disponível aqui]
Episódio de umas das polêmicas das quais participou
o imortal sucedido por Fernando Henrique Cardoso na cadeira 36 está publicado no
número 184 da revista Tempo Brasileiro,
cujo tema é “História e arte no mundo ibérico”. O adversário da vez é o crítico
literário Wilson Martins (1921-2010).
O texto intitula-se “O martinete”, um contra-ataque
que o polemista desferia, em resposta às críticas que seu O elixir do apocalipse (1983), então recém-publicado, vinha
recebendo de quem, no segundo volume de A
crítica literária no Brasil, já tratara com azeda antipatia a linguagem
merquioriana, em passagens como esta: “Escrevendo melhor ou com mais clareza do
que José Guilherme Merquior, havia, entretanto, um crítico...” (1983, p.713)
Na verdade, O
elixir do apocalipse também investe contra Wilson Martins, sobretudo pela
presunção deste, segundo Merquior, em reivindicar para si o pioneirismo do que
viria a desbravar, com mais alarde, a alemã Estética da Recepção e do Efeito, a
partir do final da década de 1960.
A assombrosa erudição de José Guilherme Merquior
provocava admiração em uns e irritação (inveja daquelas bravas?) em outros,
dentre os quais Wilson Martins, que o acusa de “alienação intelectual e
lacunosa familiaridade com as letras brasileiras”. A isso o ensaísta erudito
responde, conciliando, de forma esplêndida, modéstia e sarcasmo: “Minha
famigerada erudição, já cansei de insinuar, mal passa de uma ilusão de ótica. Na
maioria das vezes em que é indigitada, ela parece refletir apenas a ignorância
dos que a acusam.” (p.383)
A respeito de seu suposto desconhecimento literário
nacional, a réplica estronda como um soco do Mike Tyson no queixo: “Nem é a ele
[Wilson Martins] que o Times Literary
Suplement, o mais difundido e prestigioso suplemento literário do mundo,
costuma encomendar, há dez anos, artigos sobre literatura brasileira.” (p.384)
Merquior não perde a oportunidade, ainda, de revidar
as críticas que recebera em A crítica
literária no Brasil, cuja “prosa baça” conduz as páginas da “obra mais
prolixamente obtusa que já se escreveu sobre a história de qualquer crítica
nacional”. (p.384)
A caracterização sumária de Wilson Martins por José
Guilherme Merquior é a que consta como epígrafe deste post: “[...] uma alma
crítica entortada pelo defeito mais sério que pode ter um oficial de nosso ofício:
não sabe, coitado, admirar”. (p.384) Segundo o autor de O elixir do apocalipse, Jorge de Lima, João Cabral de Melo Neto, a
Estética da Recepção e do Efeito (uma teoria e metodologia literárias que
surgiu na Alemanha em fins dos anos 60)... para tudo isso, e muito mais, Wilson
Martins entortava o nariz. Reconhecendo o valor dos dois poetas brasileiros e
das contribuições dos alemães na compreensão da literatura, Merquior encontra
força para desferir o nocaute: um golpe certeiro num nariz torto...
Referências bibliográficas
Martins,
Wilson. A crítica literária no Brasil.
2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 2º vol (1940-1981).
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