quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Merquior comenta a Constituição de 1988


Tomara que a nova Constituição [de 1988], quiçá revista e melhorada, possa fugir ao destino das cartas latino-americanas, tantas delas condenadas a ser o que Lowenthal batizou de “constituições pedagógicas”: um feixe bacharelesco de idealidades inviáveis, cruelmente desmentidas pela prática político-social, embora dotadas de módicos efeitos civilizatórios. Oxalá possa ela, aprofundando seus componentes liberais, dispensar o recurso ao reformismo von oben [de cima] – e ao liberalismo de estado – enraizando nos nossos mores a energia plural da liberdade, neste nosso fim de século [XX] cada dia mais digno de ser chamado Era da Liberalização.
José Guilherme Merquior (in “Liberalismo e Constituição”)

Neste ano de 2018, nossa Constituição Federal completou três décadas. A data ensejou uma farta safra de novas discussões sobre esse marco do Brasil redemocratizado, destacando-se as numerosas críticas a seus excessos: a começar, o excesso de páginas, o excesso de regulamentação da vida pessoal, familiar e empresarial, o excesso de direitos que o Estado, desde a promulgação da Carta, nunca pôde, e nunca poderá, realmente promover.
Já em 1989 foi publicado, sob coordenação de Paulo Mercadante, o livro Constituição de 1988: o avanço do retrocesso. Dentre as contribuições dos diversos autores, do quilate de um Miguel Reale e de um Roberto Campos, o leitor encontra no volume o texto “Liberalismo e Constituição”, de José Guilherme Merquior.
O título é daqueles nos quais os familiarizados com a obra merquioriana, e sabendo tratar-se de uma publicação da década de 80, farejam facilmente a autoria. De fato, nesse período Merquior se entusiasma, todo entregue, ao liberalismo como ideário cultural, sócio-político e econômico. Diga-se de passagem, essa sua atitude apologética coincidia, no plano mundial, com o desmoronamento do socialismo-comunismo no contexto da Guerra Fria, e a consequente vitória do capitalismo liberal, e, no plano nacional, com a progressiva abertura democrática do regime civil-militar até seu fim definitivo em 1985.
“Liberalismo e Constituição” não ultrapassa cinco páginas, e divide-se em duas partes. Na primeira, o diplomata graduado em Direito traça uma brevíssima história das constituições, que já vinham aparecendo desde a Idade Média, dentro de um percurso que se confundiria, em larga medida, com a história do liberalismo. O pequeno texto de Merquior principia nestes termos: “Sob certo aspecto, o próprio conceito de constituição é uma noção liberal.” (p.13)
É na segunda parte que José Guilherme Merquior se detém propriamente sobre a Constituição Federal de 1988, salientando a necessidade de uma “reforma constitucional” após o período 1964-1985, visto que então a política brasileira se depararia com uma “carência de legitimidade”, o que “a reconceituação dos direitos”, “a redefinição do papel do Congresso” e “a posição dos Estados frente à federação” haveriam de ser sanar, (p.15) pelo menos no que se referia à esfera política.
Quanto ao resultado da reforma constitucional, Merquior aponta alguns problemas. Um dos quais a incoerência de “certa dose de Parlamentarismo de facto ter desfigurado a opção presidencialista da nova Carta”, embora para o comentarista tal descaracterização “só poderia exprimir a vontade de evitar o arbítrio – velho leitmotiv liberal”. (p.16) Também Merquior lamenta a perda da oportunidade de consolidar “um bom conceito social de democracia”, visto que no Brasil “[t]emos praticado com grande indulgência o democratismo, caricatura daninha da democracia”. (p.16) Isto é, a Constituição de 88 não lhe parecia preocupar-se em fomentar na sociedade como um todo a participação vigilante dos verdadeiros cidadãos, principais responsáveis – ao fim e ao cabo – pelo funcionamento eficiente da democracia.
Fosse como fosse, dentre os pontos positivos, estariam os “vários elementos liberais e libertários” e “uma justa e necessária dose de restauração liberista – de recuperação da enorme importância da descrentalização econômica”, conquanto ao lado de “traços estatizantes e protecionistas”. (p.16)
Por fim, José Guilherme Merquior torcia, naqueles primeiros meses de redemocratização do Brasil, para que a nossa Constituição não se tornasse no que, em grande medida, veio a se tornar... Releia meu leitor, por gentileza, a epígrafe deste post.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Merquior pugilista: a propósito de uma polêmica com o crítico Wilson Martins


Wilson Martins é uma alma crítica entortada pelo defeito mais sério que pode ter um oficial de nosso ofício: não sabe, coitado, admirar. Sua obra ultraprolífica vive torcendo o nariz. Quase nada lhe agrada, nem velho nem novo [...].
José Guilherme Merquior (in “O martinete”)

José Guilherme Merquior se consagrou como um dos maiores polemistas brasileiros do século passado. Erudito, inteligente, de argumentação pronta e aguda, linguagem estilosa e ferina, o autor de O marxismo ocidental se divertia tanto em travar duelos de ideias e palavras, que Sergio Paulo Rouanet, em evento ocorrido na Academia Brasileira de Letras, por ocasião dos 10 anos completos da morte do grande amigo, brincou, ao concluir seu depoimento: “[...] Merquior [...] com certeza deve estar pairando nesta sala, impaciente por não poder polemizar conosco, discordando de tudo o que foi dito aqui.” (p.259) [texto disponível aqui]
Episódio de umas das polêmicas das quais participou o imortal sucedido por Fernando Henrique Cardoso na cadeira 36 está publicado no número 184 da revista Tempo Brasileiro, cujo tema é “História e arte no mundo ibérico”. O adversário da vez é o crítico literário Wilson Martins (1921-2010).
O texto intitula-se “O martinete”, um contra-ataque que o polemista desferia, em resposta às críticas que seu O elixir do apocalipse (1983), então recém-publicado, vinha recebendo de quem, no segundo volume de A crítica literária no Brasil, já tratara com azeda antipatia a linguagem merquioriana, em passagens como esta: “Escrevendo melhor ou com mais clareza do que José Guilherme Merquior, havia, entretanto, um crítico...” (1983, p.713)
Na verdade, O elixir do apocalipse também investe contra Wilson Martins, sobretudo pela presunção deste, segundo Merquior, em reivindicar para si o pioneirismo do que viria a desbravar, com mais alarde, a alemã Estética da Recepção e do Efeito, a partir do final da década de 1960.
A assombrosa erudição de José Guilherme Merquior provocava admiração em uns e irritação (inveja daquelas bravas?) em outros, dentre os quais Wilson Martins, que o acusa de “alienação intelectual e lacunosa familiaridade com as letras brasileiras”. A isso o ensaísta erudito responde, conciliando, de forma esplêndida, modéstia e sarcasmo: “Minha famigerada erudição, já cansei de insinuar, mal passa de uma ilusão de ótica. Na maioria das vezes em que é indigitada, ela parece refletir apenas a ignorância dos que a acusam.” (p.383)
A respeito de seu suposto desconhecimento literário nacional, a réplica estronda como um soco do Mike Tyson no queixo: “Nem é a ele [Wilson Martins] que o Times Literary Suplement, o mais difundido e prestigioso suplemento literário do mundo, costuma encomendar, há dez anos, artigos sobre literatura brasileira.” (p.384)
Merquior não perde a oportunidade, ainda, de revidar as críticas que recebera em A crítica literária no Brasil, cuja “prosa baça” conduz as páginas da “obra mais prolixamente obtusa que já se escreveu sobre a história de qualquer crítica nacional”. (p.384)
A caracterização sumária de Wilson Martins por José Guilherme Merquior é a que consta como epígrafe deste post: “[...] uma alma crítica entortada pelo defeito mais sério que pode ter um oficial de nosso ofício: não sabe, coitado, admirar”. (p.384) Segundo o autor de O elixir do apocalipse, Jorge de Lima, João Cabral de Melo Neto, a Estética da Recepção e do Efeito (uma teoria e metodologia literárias que surgiu na Alemanha em fins dos anos 60)... para tudo isso, e muito mais, Wilson Martins entortava o nariz. Reconhecendo o valor dos dois poetas brasileiros e das contribuições dos alemães na compreensão da literatura, Merquior encontra força para desferir o nocaute: um golpe certeiro num nariz torto...  

Referências bibliográficas

Martins, Wilson. A crítica literária no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 2º vol (1940-1981).

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Caminhos de um exemplar de Rousseau and Weber


Em algum livro (Qualquer coisa serve? Podres de mimados? Em defesa do preconceito?), Theodore Dalrymple – escritor que certamente José Guilherme Merquior iria gostar de ler – diz preferir comprar livros usados em que se encontram vestígios das mãos pelos quais passaram. Carimbos, grifos, anotações, dedicatórias...
Por coincidência, àquela altura do encontro histórico de Donald Trump (presidente dos EUA) com Kim Jong-un (ditador da Coreia do Norte), chegou-me um certo exemplar, há muitos anos aguardado, de Rousseau and Weber, um dos livros que Merquior escreveu em inglês.
Há numa das primeiras folhas uma dedicatória assinada, com muita intimidade, por “José Guilherme” e destinada a “Arnaldo”. Arnaldo? Que Arnaldo?
Uma breve pesquisa no Google me informou que se trata, decerto, de Arnaldo Carrilho, diplomata carioca (como o amigo José Guilherme), falecido aos 76 anos em 2013. A coincidência é que Carrilho foi o primeiro embaixador brasileiro na Coreia de Norte, cargo assumido em 2009.
Theodore Dalrymple tem razão.

domingo, 19 de agosto de 2018

Edições dos livros de Merquior: Crítica e O liberalismo: antigo e moderno


A série das edições dos livros de Merquior se encerra neste post, com notícia referente a dois títulos. Em 1990, José Guilherme Merquior publica pela editora Nova Fronteira o volume Crítica (1964-1989), subintitulado “ensaios sobre arte e literatura”. Trata-se de uma antologia do que o autor então considerava sua mais importante contribuição na área na qual havia estreado em letra impressa, desde seus artigos veiculados pelo Jornal do Brasil. Foi o último livro seu que o precoce e sempre operoso ensaísta viu publicado. Em 2005, uma parte desses ensaios reaparece ainda mais uma vez, vertida para a língua espanhola, na série Vereda Brasil, com o título El comportamiento de las musas: ensayos sobre literatura brasileña y portuguesa (1964-1989). A editora, sediada em Buenos Aires, é a Corregidor. E a tradução, assina-a Gonzalo Aguilar.
Por fim, temos O liberalismo: antigo e moderno, originalmente escrito em inglês com o título Liberalism: old and new. O último livro de Merquior integra a série Twayne’s Studies in Intellectual and Cultural History da editora norte-americana Twayne. Concebida por encomenda, mais do que oportuna, dadas as publicações anteriores do autor ao longo da década de 80, Liberalism: old and new é lançado em 1991, ano da morte de Merquior. A Nova Fronteira logo providencia a tradução da obra (realizada por Henrique de Araújo Mesquita) e a publica em 1991 mesmo, em duas edições, com a importante apresentação de Roberto Campos, “Merquior, o liberista”. A terceira edição apareceu em 2014, pela editora É Realizações, que acrescentou à apresentação de Roberto Campos prólogo de Michael Roth, o apêndice “O renascimento da teoria política francesa”, do próprio Merquior, além dos cinco posfácios “A visão do mundo de José Guilherme Merquior: esta reedição”, de João Cezar de Castro Rocha, “O liberalismo militante de José Guilherme Merquior”, de Celso Lafer, “Merquior e o liberalismo”, de Hélio Jaguaribe, “José Guilherme Merquior”, de Joaquim Ponce Leal, e “Merquior: obra política, filosófica e literária”, de Sérgio Paulo Rouanet.

sábado, 4 de agosto de 2018

Edições dos livros de Merquior: Foucault, O marxismo ocidental, De Praga a Paris

A década de 1980 foi um período em que José Guilherme Merquior alvejou com insistência o estruturalismo, então em declínio, e o pós-estruturalismo, já disseminado para além das fronteiras francesas. Foucault, publicado em inglês pela britânica Fontana Press, em 1985, consiste na primeira grande investida do autor brasileiro nesse propósito, que se enquadra na sua plataforma liberal. No mesmo ano, a Nova Fronteira lança a versão em vernáculo do livro, intitulando-o Michel Foucault, ou o niilismo de cátedra. Donaldson M. Garschagen traduziu essa consistente e aguda crítica à obra do pensador parisiense.


Logo em 1986, outro volume em inglês amplia o acervo merquioriano: trata-se de Western Marxism, título editado pela também britânica Paladin. No ano seguinte (1987), outra vez a Nova Fronteira publica a tradução (por Raul de Sá Barbosa), O marxismo ocidental, cuja segunda edição não tarda a aparecer. A terceira, conforme já noticiamos na postagem anterior (26 de julho), será lançada pela É Realizações, como o oitavo volume da Biblioteca José Guilherme Merquior.


Surpreende que em 1986 o ensaísta fluminense tivesse encontrado fôlego para  outro título, ainda em inglês: From Prague to Paris, subintitulado “a critique of structuralist and post-structuralist thought”, pela editora britânica Verso. Como de costume, a tradução do livro vem a público, mas dessa vez alguns anos depois. De Praga a Paris sai pela Nova Fronteira, traduzido por Ana Maria de Castro Gibson, em 1991 – ano da morte de José Guilherme Merquior, quem, entretanto, teve ânimo para revisar a versão na língua pátria de um de seus últimos e mais importantes trabalhos.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Lançamento de “O marxismo ocidental” pela É Realizações


Em breve teremos o oitavo volume da Biblioteca José Guilherme Merquior, projeto encampado pela editora paulista É Realizações. Trata-se da tradução de O marxismo ocidental, cuja edição original (em inglês) foi publicada em 1986, tendo havido no seguinte o lançamento da primeira e da segunda edições em português pela Nova Fronteira. A cor vermelha da nova capa vem a calhar. Essa publicação da É Realizações clama por comemoração; afinal, as dificuldades pelas quais o mercado de livro no Brasil vem passando nestes anos não são poucas... sobretudo, no que se refere a títulos dessa área.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Edições dos livros de Merquior: A natureza do processo, O elixir do apocalipse, O argumento liberal


Em 1982, no ano seguinte à publicação de As ideias e as formas, José Guilherme Merquior fazia lançar pela mesma editora (Nova Fronteira) A natureza do processo, assim descrito pelo próprio autor: “Este é um pequeno livro de palavras simples sobre coisas complexas.” Volume que integra a Coleção Logos, trata-se de uma segunda investida de razoável fôlego em defesa dos valores do liberalismo, causa que o ensaísta abraçou e defendeu com unhas e dentes em todo o transcorrer da década de 1980. Não parece ter havido segunda edição da obra, cuja capa aparece na imagem ao lado.
Da mesma coleção da Nova Fronteira, em 1983 publicaram-se mais dois volumes de Merquior: O elixir do apocalipse e O argumento liberal (imagem das capas abaixo). Também obras sem segunda edição até agora. À diferença de A natureza do processo, composto na forma de ensaio longo, esses dois livros constituem coletâneas de textos tematicamente mais abrangentes, mas ainda assim não perdem o propósito maior de afirmar um viés cultural na linha liberal.



quarta-feira, 20 de junho de 2018

Edições dos livros de Merquior: O fantasma romântico e outros ensaios, Rousseau e Weber, As ideias e as formas


No último ano da década de 70, José Guilherme Merquior publicou dois livros. O fantasma romântico e outros ensaios foi lançado pela editora petropolitana Vozes e não teve ainda segunda edição. A imagem de sua capa é a que ilustra o início deste post. O outro título de 1980 é Rousseau and Weber, subintitulado “two studies in the theory of legitimacy”. Trata-se da tese que o diplomata brasileiro apresentou à London School of Economics and Political Science, para obter o grau de PhD em sociologia. A pesquisa ocorreu sob orientação do célebre teórico britânico da nação e do nacionalismo Ernest Gellner.
Rousseau and Weber foi editado pela Routledge & Kegan Paul (imagem da capa abaixo à esquerda). O livro apareceria no Brasil pela editora Guanabara dez anos depois (1990). Margarida Salomão assina a tradução desse trabalho eminentemente sociológico de Merquior (imagem da capa abaixo à direita).


No primeiro ano da década de 1980, período no qual José Guilherme Merquior veio a encampar uma batalha ostensiva em favor do ideário liberal, o autor publicou As ideias e as formas. A Nova Fronteira editou essa coletânea de ensaios de temas diversos, tendo o lançamento, a propósito, ensejado entrevista do diplomata e pensador concedida às páginas amarelas da revista Veja daquele ano. O livro teve duas edições pela mesma editora, que não modificou a capa (imagem abaixo), nem o conteúdo.



terça-feira, 5 de junho de 2018

Edições dos livros de Merquior: A estética de Lévi-Strauss, De Anchieta a Euclides, O véu e a máscara


1975 foi um ano particularmente importante para a história de publicações merquiorianas. No post anterior (de 20 de maio), já nos referimos ao pequeno livro O estruturalismo dos pobres e outras questões, ao qual se juntariam as traduções de L’esthétique de Lévi-Strauss e da tese de doutoramento em Letras defendida e publicada com o título de Verso universo em Drummond.
A estética de Lévi-Strauss resultou das pesquisas que José Guilherme Merquior desenvolveu, no final da década de 1960, como aluno do pai fundador do estruturalismo, o célebre antropólogo franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009), na École des Hautes Études de Paris. Apresentado originalmente em comunicação proferida em francês, a primeira edição do trabalho foi, contudo, sua tradução por Juvenal Hahne Jr., publicado pela Tempo Brasileiro em parceria com a Universidade de Brasília. O livro, cuja capa está à esquerda na imagem acima, consiste no número 40 da coleção Biblioteca Tempo Universitário.
Acima ao centro, trata-se da edição em francês publicada apenas em 1977 pela editora PUF, consistindo em volume da Coleção Croisées.
A segunda edição traduzida foi lançada pela É Realizações, como volume da Biblioteca José Guilherme Merquior. Sua capa é a da imagem acima à direita. Vem acrescida da apresentação, intitulada “A vocação crítica de José Guilherme Merquior”, de autoria de João Cezar de Castro Rocha, e dos posfácios “Escada para o céu: José Guilherme Merquior hoje”, de Christopher Domínguez Michael, e “A arte como forma de conhecimento: uma leitura de A estética de Lévi-Strauss”, de Eduardo Cesar Maia.


O ensaísta carioca não publicou nenhum livro em 1976. Mas no ano seguinte apareceu seu De Anchieta e Euclides, pela Livraria José Olympio na Coleção Documentos Brasileiros. Em 1979, pela mesma editora publica-se a segunda edição, cuja capa – idêntica à da princeps – figura na imagem acima à esquerda. A Topbooks lançou, em 1996, a terceira edição (capa na imagem acima ao centro), tendo reproduzido na orelha passagem da resenha dessa “breve história da literatura brasileira” escrita por Ferreira Gullar e publicada antes na revista Veja de 8 de março de 1978. Por fim, a É Realizações se incumbiu da quarta e mais recente edição desse que é o livro mais editado de José Guilherme Merquior. Lançado em 2014, o volume mais uma vez reproduz as palavras do poeta maranhense na orelha, e se enriquece com a apresentação “A visão integradora de José Guilherme Merquior: por uma história crítica da literatura brasileira”, de Fábio Andrade, com imagens de cartas e recortes de jornais concernentes à primeira publicação do livro, além dos posfácios “Aquecendo os músculos: a história literária de um jovem crítico”, de João Cezar de Castro Rocha, e “Merquior ou a rebeldia com razão”, de Adriano Lima Drummond.
Eduardo Portella relata que De Anchieta a Euclides resultou de uma proposta feita a ele mesmo e a Merquior para que cada um escrevesse um de dois volumes nos quais se dividiria a história da literatura brasileira, desde o século XVI até o modernismo. Portella não se entusiasmou com a ideia, sendo apenas publicado o livro do amigo.


1978 é outro ano sem livro de Merquior. Em 1979, o ensaísta, que se doutoraria pela London School of Economics and Political Sciences, sob orientação de Ernest Gellner, publicou alguns dos frutos dessa pesquisa: The veil and the mask: essays on culture and ideology. Mas o livro seria publicado no Brasil, traduzido por Lólio Lourenço de Oliveira, apenas em 1997 – portanto, cerca de seis anos após a morte do autor. A editora é a T. A. Queiroz de São Paulo.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Edições dos livros de Merquior: Saudades do carnaval, Formalismo & tradição moderna, O estruturalismo dos pobres e outras questões



Entre o primeiro livro de Merquior, Razão do poema (1965), e o segundo, Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (1969), transcorreram-se cerca de quatro anos. Entre o segundo e o terceiro, A astúcia da mímese (1972), em torno de três anos. A partir de Saudades do carnaval, publicado em 1974, pela editora paulista Forense, José Guilherme Merquior – é, de fato, impressionante – praticamente não deixa nenhum ano sem a notícia de um livro novo seu. Vamos acompanhar essa trajetória assombrosa de publicações neste e nos próximos posts em QMM.
Em Saudades do carnaval, subintitulado “introdução à crise da cultura”, Merquior dá vazão especial a um interesse que caracterizará sua perspectiva de compreensão cultural por toda a vida: é, com efeito, no percurso da história que o ensaísta procura compreender a relação entre cultura e sociedade da Renascença até ao período contra-cultural daqueles anos de 1960 e 70. Outro interesse presente no livro refere-se à noção de “crise da cultura”, que reaparece no debate encetado pelos ensaios coligidos no volume Formalismo & tradição moderna, mas que, no decorrer da década de 1980, já não se coloca, para Merquior, como um “problema”. Até agora, Saudades do carnaval só teve uma única edição, cuja capa se retrata na imagem acima à esquerda.


A primeira edição de Formalismo & tradição moderna apareceu em 1974, também pela editora Forense em parceria com a Universidade de São Paulo. A segunda edição consta como o até agora penúltimo volume da Biblioteca José Guilherme Merquior da editora É Realizações, publicado em 2015. Conta com a apresentação “Relendo José Guilherme Merquior: 40 anos de Formalismo & tradição moderna”, de José Luís Jobim, e de dois posfácios: “A modernidade alternativa de José Guilherme Merquior”, de João Cezar de Castro Rocha, e “A dialética da militância”, de Peron Rios. Como nos títulos anteriores da coleção, o livro contém reprodução de cartas escritas e recebidas pelo ensaísta carioca, e outros documentos.


Em 1975, publicou-se o menor dos livros do escritor e diplomata: O estruturalismo dos pobres e outras questões. Foi lançado como título da Coleção Diagrama pela editora Tempo Brasileiro, de propriedade do amigo Eduardo Portella, que já havia publicado Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Trata-se, essa, da única edição ainda hoje do voluminho de 87 páginas.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Edições dos livros de Merquior: Razão do poema, Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin, A astúcia da mímese



Razão do poema foi o livro de estreia de José Guilherme Merquior, que então contava somente 23 anos de idade. Foi publicado em 1965 pela editora carioca Civilização Brasileira. Alguns amigos insistiram, mais tarde, para que o autor providenciasse uma segunda edição. Subintitulada “ensaios de crítica e de estética”, a obra, contudo, só viria a ser republicada cerca de 5 anos após a morte de Merquior, em 1996, pela também carioca Topbooks. Diga-se de passagem, o proprietário da Topbooks, José Mario Pereira, foi quem escreveu um dos textos fundamentais sobre o grande amigo ensaísta e pensador, “O fenômeno Merquior”. Mais recentemente (2013), Razão do poema teve sua terceira edição, surgindo como o segundo título da Biblioteca José Guilherme Merquior, agora pela editora paulista É Realizações.
Leandro Konder assina a orelha da primeira edição, cuja capa, como se pode constatar (à esquerda na imagem acima), é muito bonita. A ilustração é de Eugênio Hirsch. Na segunda edição (centro da imagem acima), também aparece na orelha o texto de Konder, que passa a constar como apresentação da terceira (à direita na imagem acima). Esta enriqueceu-se com reproduções de cartas escritas e recebidas por Merquior, e com os posfácios “A razão poética segundo José Guilherme Merquior”, de Wanderson Lima, e “Dez anos sem José Guilherme Merquior”, de José Mario Pereira.



O segundo livro de Merquior, Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamim, foi publicado primeiramente em 1969, pela Tempo Brasileiro, editora de outro grande amigo do ensaísta, falecido ano passado, Eduardo Portella. Lembra-se sempre desse título como registro pioneiro da recepção no Brasil da Escola de Frankfurt. A É Realizações o republicou em 2017 (capa acima à direita). Esse mais recente volume da Biblioteca José Guilherme Merquior tem apresentação de Günter Karl Pressler, os posfácios “Um projeto para o futuro? Relendo o jovem José Guilherme Merquior”, de João Cezar de Castro Rocha, “Arte e sociedade em Benjamin, Adorno e Marcuse”, de Sérgio Tapajós, e “A crítica da cultura segundo José Guilherme Merquior”, de Regina Zilberman. O texto de Tapajós consta na orelha da primeira edição da obra, aliás, subintitulada “ensaio crítico sobre a Escola neo-hegeliana de Frankfurt”. Acréscimo valioso da segunda edição é o acesso ao documentário José Guilherme Merquior: paixão pela razão.



A astúcia da mímese: ensaios sobre lírica constitui o terceiro livro de Merquior, publicado em 1972, pela célebre Livraria José Olympio em convênio com o Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Na edição princeps (à esquerda na imagem acima), escreveu a orelha ninguém menos do que Afonso Arinos de Melo Franco. A Topbooks, em 1997, republica o título (à direita na imagem acima), incumbindo Antônio Paulo Graça de redigir a orelha.

domingo, 22 de abril de 2018

“Power and Identity: politics and Ideology in Latin America”


Is it necessary to stress that the patrimonial state is deeply inimical to all kinds of liberty, old (feudal) as well as new (liberal democratic)? If such is, as indeed it is, the lesson of history, then sensible Latin Americans should worry less about the links between their waning authoritarian regimes  and foreign capital and more about those who would readily deliver their countries to far more repressive power structures.
José Guilherme Merquior (in “Power and Identity: politics and Ideology in Latin America”)

A edição do 19º volume / número 2 da revista acadêmica londrina Minerva, dedicada a temas da área de ciência, educação e política, contou com a colaboração de José Guilherme Merquior. Publicada na primavera de 1984, teve por tema Government and Opposition: from authoritarian to representative government in Brazil and Argentina, e – como não poderia deixar de ser – nela consta texto do próprio co-editor brasileiro, intitulado “Power and Identity: Politics and Ideology in Latin America”.
Esse ensaio principia por traçar um painel histórico das reflexões político-ideológicas sobre a América latina, vasto território cujas condições sócio-econômicas contrastam com o desenvolvimento, em todos os setores, de Estados Unidos e Canadá. A tônica da compreensão e explicação hegemônicas, produzidas por intelectuais e estudiosos latino-americanos, como se sabe, consiste no posicionamento de esquerda, em grande parte dos autores de índole marxista. Em síntese e generalização, a culpa de nosso subdesenvolvimento recairia, nas suas origens, no sistema colonial europeu e, posteriormente, nas amarras do sistema capitalista, que nos teria imposto uma relação desigual e subalterna de dependência dos países ricos liderados pela política econômica norte-americana.
Arauto do liberalismo (em matéria econômica, política e cultural), José Guilherme Merquior não se deixa convencer por essa linha de discurso. Nesse curto ensaio de cerca de 12 páginas, põe-se a esmiuçá-la, expondo os problemas de uma abordagem escorada no propósito muito maior de pregar ao leitor a própria ideologia do que de analisar os fatos.
Nessa perspectiva, assinala Merquior, após um período, especialmente entre os séculos XVIII e XIX, no qual os intelectuais latino-americanos se esforçaram em defender e fomentar um desenvolvimento que tomava a industrialização e o liberalismo europeus como modelo, criou-se a ideia de que a América Latina deveria, pelo contrário, confrontar, no presente, a origem colonial gestada pelo Velho Continente, no objetivo de fazer despertar uma suposta autenticidade cultural do Novo Continente. Sobre isso comenta Merquior:

Thus “authenticity” – the dubious result of a mystical quest for collective identity – was soon established as an ideological barrier against the legitimation of economic and social modernization in Latin America. (1984, p.241)

O projeto cultural anti-europeu, ou anti-ocidental, acabou por cair em mãos da esquerda marxista. A Revolução Cubana (1959) deu o exemplo de como era possível concretizar esse projeto libertador, entusiasmando a maior parte da esquerda latino-americana. A onda de regimes ditatoriais, que então não demoraria a marcar a história de Brasil, Argentina, Uruguai e Chile (nas décadas de 60, 70 e 80), viria a evidenciar mais ainda, aos olhos dos teóricos da dependência, a face cruel da modernização capitalista e do imperialismo norte-americano. Todavia, José Guilherme Merquior recorda a anedota tão esclarecedora:

The Spanish novelist Juan Goytisolo, who spent a decade in [Fidel] Castro’s Cuba and returned fairly disillusioned, once wrote that before  revolution Cuba suffered from three drawbacks: monoculture (the sugar economy), military despotism and extreme dependency on a foreign power, whereas under Castro it has known three main evils: monoculture, military despotism and extreme dependency on a foreign (this time considerably farther) power… (1984, p.242)

Tendo sido publicada a revista em 1984, sem dúvida o ensaísta brasileiro visava à crise econômica que então castigava a população do Brasil e de países vizinhos. De fato, estagnação da economia e inflação altíssima pareciam, mais uma vez, dar credibilidade às teorias de dependência, que, aliás, atribuíam aos interesses da economia capitalista o advento dos regimes autoritários no Cone Sul. Para Merquior, a tese não sustentaria, uma vez que “the capitalist crises actually seems to be undermining, rather than strengthening, authoritarianism in Latin America”. (1984, p.245)
Profundo conhecedor da história ocidental e das teorias com as quais concordava e discordava, o autor de O argumento liberal revela-se também nesse texto tão atual quanto 35 anos atrás. Seu alerta ainda é válido. Menos mérito de Merquior do que demérito nosso.