domingo, 22 de abril de 2018

“Power and Identity: politics and Ideology in Latin America”


Is it necessary to stress that the patrimonial state is deeply inimical to all kinds of liberty, old (feudal) as well as new (liberal democratic)? If such is, as indeed it is, the lesson of history, then sensible Latin Americans should worry less about the links between their waning authoritarian regimes  and foreign capital and more about those who would readily deliver their countries to far more repressive power structures.
José Guilherme Merquior (in “Power and Identity: politics and Ideology in Latin America”)

A edição do 19º volume / número 2 da revista acadêmica londrina Minerva, dedicada a temas da área de ciência, educação e política, contou com a colaboração de José Guilherme Merquior. Publicada na primavera de 1984, teve por tema Government and Opposition: from authoritarian to representative government in Brazil and Argentina, e – como não poderia deixar de ser – nela consta texto do próprio co-editor brasileiro, intitulado “Power and Identity: Politics and Ideology in Latin America”.
Esse ensaio principia por traçar um painel histórico das reflexões político-ideológicas sobre a América latina, vasto território cujas condições sócio-econômicas contrastam com o desenvolvimento, em todos os setores, de Estados Unidos e Canadá. A tônica da compreensão e explicação hegemônicas, produzidas por intelectuais e estudiosos latino-americanos, como se sabe, consiste no posicionamento de esquerda, em grande parte dos autores de índole marxista. Em síntese e generalização, a culpa de nosso subdesenvolvimento recairia, nas suas origens, no sistema colonial europeu e, posteriormente, nas amarras do sistema capitalista, que nos teria imposto uma relação desigual e subalterna de dependência dos países ricos liderados pela política econômica norte-americana.
Arauto do liberalismo (em matéria econômica, política e cultural), José Guilherme Merquior não se deixa convencer por essa linha de discurso. Nesse curto ensaio de cerca de 12 páginas, põe-se a esmiuçá-la, expondo os problemas de uma abordagem escorada no propósito muito maior de pregar ao leitor a própria ideologia do que de analisar os fatos.
Nessa perspectiva, assinala Merquior, após um período, especialmente entre os séculos XVIII e XIX, no qual os intelectuais latino-americanos se esforçaram em defender e fomentar um desenvolvimento que tomava a industrialização e o liberalismo europeus como modelo, criou-se a ideia de que a América Latina deveria, pelo contrário, confrontar, no presente, a origem colonial gestada pelo Velho Continente, no objetivo de fazer despertar uma suposta autenticidade cultural do Novo Continente. Sobre isso comenta Merquior:

Thus “authenticity” – the dubious result of a mystical quest for collective identity – was soon established as an ideological barrier against the legitimation of economic and social modernization in Latin America. (1984, p.241)

O projeto cultural anti-europeu, ou anti-ocidental, acabou por cair em mãos da esquerda marxista. A Revolução Cubana (1959) deu o exemplo de como era possível concretizar esse projeto libertador, entusiasmando a maior parte da esquerda latino-americana. A onda de regimes ditatoriais, que então não demoraria a marcar a história de Brasil, Argentina, Uruguai e Chile (nas décadas de 60, 70 e 80), viria a evidenciar mais ainda, aos olhos dos teóricos da dependência, a face cruel da modernização capitalista e do imperialismo norte-americano. Todavia, José Guilherme Merquior recorda a anedota tão esclarecedora:

The Spanish novelist Juan Goytisolo, who spent a decade in [Fidel] Castro’s Cuba and returned fairly disillusioned, once wrote that before  revolution Cuba suffered from three drawbacks: monoculture (the sugar economy), military despotism and extreme dependency on a foreign power, whereas under Castro it has known three main evils: monoculture, military despotism and extreme dependency on a foreign (this time considerably farther) power… (1984, p.242)

Tendo sido publicada a revista em 1984, sem dúvida o ensaísta brasileiro visava à crise econômica que então castigava a população do Brasil e de países vizinhos. De fato, estagnação da economia e inflação altíssima pareciam, mais uma vez, dar credibilidade às teorias de dependência, que, aliás, atribuíam aos interesses da economia capitalista o advento dos regimes autoritários no Cone Sul. Para Merquior, a tese não sustentaria, uma vez que “the capitalist crises actually seems to be undermining, rather than strengthening, authoritarianism in Latin America”. (1984, p.245)
Profundo conhecedor da história ocidental e das teorias com as quais concordava e discordava, o autor de O argumento liberal revela-se também nesse texto tão atual quanto 35 anos atrás. Seu alerta ainda é válido. Menos mérito de Merquior do que demérito nosso.