sábado, 15 de fevereiro de 2014

Eduardo Lourenço e José G. Merquior


Entre 3 e 5 de dezembro de 2013, realizou-se, no campus da UFPR, em Curitiba, evento denominado Literatura, identidade e cultura nos noventa anos de Eduardo Lourenço. Recebemos o grato convite para pronunciar uma comunicação. Propusemos a de título “Eduardo Lourenço e José Guilherme Merquior: visões de aquém e além-mar sobre o modernismo”.


Para quem o desconhece, Eduardo Lourenço é um dos maiores nomes do pensamento português do século XX. De formação filosófica, concentrou suas reflexões na literatura pátria, de onde vem, há tanto tempo, visando a apreender a mitologia do povo português. Pois, que outra manifestação cultural de nossa ex-metrópole se ombreia com a importância milenar da literária? A ideia laurencina de mitologia, em breves palavras, se encerra numa compreensão histórica para além do factual, compreensão que se volta, sobretudo, para como a história se realiza no imaginário de um povo, de modo a se configurar como identidade-cultura. Nisso residia o cerne de nossa tentativa de aproximar, comparativamente, o pensador português e o brasileiro, afastados entre si não apenas em termos geográficos, mas também de geração (Lourenço nasceu em 1923; Merquior, em 1941).

            A comunicação analisava dois textos específicos: “Da literatura como interpretação de Portugal” e “Guimarães Rosa e o terceiro sertão”. No primeiro, a hoje célebre conferência proferida em 1975, que integra o volume O labirinto da saudade (1978), Eduardo Lourenço rastreia o percurso de mais de um século da produção literária de seu país, do romântico Almeida Garrett ao modernista Fernando Pessoa, no intuito de defender que a problematização da nação portuguesa é o principal motivador criativo desses autores que se tornaram canônicos. Além disso, segundo o autor de Heterodoxias, estaria na mudança radical de lidar com essa tradição de pensar a pátria em forma literária, o ponto de apoio a partir do qual se teria afirmado a ruptura modernista em Portugal.

            Em “Guimarães Rosa e o terceiro sertão”, texto datado de 1997, coligido em A nau de Ícaro (1999), Lourenço aborda a literatura brasileira. Esse fato revela a amplitude lusófona, e não somente lusitana, do horizonte de seus interesses. Aliás, o autor português chegou a lecionar na Universidade Federal da Bahia, na década de 1950. O que nos instigou no texto em questão refere-se à revisão contestadora relativa ao marco da autognose cultural promovida pela literatura no Brasil. Para Lourenço, mais responsável por esse novo e inovador grito do Ipiranga do que a Semana de Arte Moderna de 1922 e suas consequências, teria sido a obra de Euclides da Cunha, especialmente Os sertões, publicada em 1902, na medida em que ela converte o espaço sertanejo no espaço mítico nacional.

            Objetivamos verificar, em nossa comunicação, a validade das hipóteses de Eduardo Lourenço, com base no postulado merquioriano do casamento entre as ideias e as formas, a nosso ver, consistente em “Da literatura como interpretação de Portugal”, a ponto de esclarecer ou evidenciar um critério estético-ideológico do cânone literário português, mas claudicante em “Guimarães Rosa e o terceiro sertão”, por desconsiderar as inovações da forma/linguagem propostas pelo grupo de Mário de Andrade e Oswald de Andrade e seus herdeiros.

            Seja como for, deixamos de fora da comunicação uma passagem de “Cultura e lusofonia ou os três anéis”, texto de Eduardo Lourenço, também pertencente ao livro A nau de Ícaro, no qual o autor sublinha a autonomia da cultura brasileira frente a Portugal, assim caracterizando nosso País:

O Brasil real, o Brasil profundo, o Brasil que quase há dois séculos é uma nação independente, com uma cultura poderosa, o Brasil de Machado de Assis, de Guimarães Rosa, de José Guilherme Merquior [...]. (LOURENÇO, Eduardo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.168.)
           

            Tal reconhecimento dispensa nosso comentário.

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