quinta-feira, 27 de agosto de 2015

4º encontro GEM 2015

Após as férias do meio deste ano letivo, o GEM voltou a reunir-se hoje, para discutir pauta especial. Em lugar de dar prosseguimento, conforme o programa, à leitura de “Crítica, razão, lírica”, um dos ensaios coligidos em Razão do poema (1965), decidiu-se avaliar o material sobre José Guilherme Merquior publicado no caderno Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo, de domingo passado (23 de agosto).

A exemplo do apontamento das deficiências e limitações da crítica merquioriana, na opinião de Nelson Ascher (conclusões interpretativas, muitas vezes, aquém do aparato bibliográfico) e de Luiz Costa Lima (compreensões limitadas por conservadorismo político e intelectual), nosso Grupo reforçou para si o dever de não estabelecermos relação idolátrica nem com a figura nem com a obra de José Guilherme Merquior, assumindo postura crítica frente a qualquer autor ou texto, sempre passíveis de questionamentos – postura, afinal de contas, constantemente assumida pelo próprio autor de O véu e a máscara.
Contudo, sublinhou-se na reunião que o conjunto dos textos publicados pelo jornal paulista, conquanto negue pertinência ao enquadramento de Merquior à direita ou à esquerda, a recorrência do emprego a certos rótulos – velhos conhecidos do folclore merquioriano –, de fundo pejorativo, mesmo que atenuados por adjetivos (“bom reaça”, “conservador civilizado”, “conformista combativo”) para definir o pensador, concede sobrevivência a esse mesmo maniqueísmo político-ideológico, hoje datado e improdutivo para uma avaliação e um entendimento mais objetivos da obra em questão.

Cumpre ser cauteloso quanto ao recurso e ao sentido da palavra “conformista”, ao se atribuí-la a José Guilherme Merquior, sob o risco de se cair na armadilha do tipo “o novo pelo novo”, “a revolução pela revolução”, “a originalidade pela originalidade”. Compreendemos que a militância política merquioriana, baseada na plataforma das “tarefas da crítica liberal”, propostas em As ideias e as formas (1981), não era revolucionária de fato, porque partia da convicção de o liberalismo, sobretudo o social-liberalismo, poder orientar melhor os projetos de governo nacional; mas também não era conformista ou conservadora propriamente, porque reivindicava reformas nada superficiais que pudessem aprimorar o funcionamento do capitalismo.
A propósito, nunca é supérfluo ressaltar que o conformismo e o conservadorismo podem se encontrar tanto do lado da direita quanto da esquerda. De qualquer forma, adentrando o território literário do pensamento de Merquior, cabe retomar o que se informou em postagens anteriores deste blog acerca da vigilância crítica que o ensaísta aplaudia ou cobrava da literatura contemporânea; por exemplo, ao reproduzir a máxima de Hermann Broch – “o grande escritor é a um só tempo uma exalação da sua época, e seu adversário crítico” –, em O elixir do apocalipse. (1983, p.45)


No encontro de hoje, também foi questionada a hipótese aventada em “Merquior, o conformista combativo”: “À erudição somava-se o gosto irrefreável pela polêmica. Talvez sejam essas duas marcas que ainda hoje embaralhem a avaliação de sua carreira.” Não nos parece aceitável acusar-se a proverbial erudição merquioriana – expressa nas numerosas referências bibliográficas de seus ensaios e livros – de consistir em qualquer obstáculo. Isso não seria repetir a acusação despropositada de “terrorismo bibliográfico”, emitida por Eduardo Mascarenhas, ainda em vida do autor de Saudades do carnaval? Quanto à polêmica, não se trata apenas de aspecto episódico, exterior ao pensamento de Merquior, mas também elemento constituinte de seu discurso: a estrutura de Foucault ou o niilismo de cátedra, de De Praga a Paris, de O marxismo ocidental é, por excelência, a polêmica... Desconsiderá-la, a nosso ver, seria amputar o significado da obra desse pensador.
Aproveitamos a oportunidade para manifestar nossa alegria perante o papel renovador da hermenêutica merquioriana que vem cumprindo João Cezar de Castro Rocha. No caderno da Folha de São Paulo, ele, sensatamente, nos chama à realidade posterior à Queda do Muro de Berlim para descobrirmos outras contribuições do legado de José Guilherme Merquior, desvinculadas do discurso “direita ou esquerda”, “bom reaça”, “intelectual dos militares” etc. Também o professor da UERJ esclarece muito bem qual seria a originalidade do pensamento merquioriano.

 
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Para uma visão não preconceituosa e esclarecedora do conservadorismo, recomenda-se aqui a leitura de:

COUTINHO, João Pereira; PONDÉ, Luiz Felipe e ROSENFIELD, Denis. Por que virei à direita: três intelectuais explicam sua opção pelo conservadorismo. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

COUTINHO, João Pereira. As ideias conservadoras: explicadas a revolucionários e reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

SCRUTON, Roger. O que é conservadorismo. trad. Guilherme Araújo Ferreira. São Paulo: É Realizações, 2015.

SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. trad. Bruno Garschagen. Rio de Janeiro: Record, 2015.
 

2 comentários:

  1. Também achei problemática essa matéria da Folha; nada fez para superar os estereótipos sobre Merquior que foram criados nos anos 80 pelos seus detratores e reforçados no especial que a própria FSP fez em 2001 sobre ele.
    Em meus artigos sobre Merquior estou tentando fazer um esforço análogo ao do grupo de estudos de vocês, só que nas áreas de sociologia e teoria política. Na primeira, tento mostrar a pertinência da crítica da cultura moderna que ele faz a partir de um ideal formativo humanista; na segunda, busco mostrar que o liberalismo social que ele defende tem muitas diferenças em relação ao neoliberalismo e ao liberalismo conservador.
    Abraços.

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  2. Sua visita e seu comentário nos deixam muito satisfeitos, Kaio! Ainda mais sua notícia de produção nessas áreas menos exploradas da obra de Merquior e que clamam por maior divulgação e entendimento. Parabéns!! e obrigado

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