quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Bibliografia passiva merquioriana 2


Ø  “Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna”, de Flora Süssekind. In Papéis colados. 2ª ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. pp.15-36.
Merquior não é o foco dessas páginas, mas nelas sua condição de crítico literário é compreendida e seu nome, citado. Partindo do embate, que ganhou estatuto de uma das mais relevantes polêmicas de nossa história cultural, entre a chamada crítica de rodapé (ou impressionista) e a crítica de cátedra (ou acadêmica), esta defendida por Afrânio Coutinho, Flora Süssekind enquadra o autor de A astúcia da mímese entre os críticos que surgiram em fins da década de 1960 que “jamais abandonaram uma dicção ensaística”, nem sendo propriamente pertencente ao primeiro, tampouco ao segundo grupo. (p.34)

Ø  “Crítica literária no Brasil, ontem e hoje”, de Benedito Nunes. In MARTINS, Maria Helena (org.). Rumos da crítica. 2ª ed. São Paulo: Senac; Itaú Cultural, 2007. pp.51-79.
Também não se trata de texto especialmente dedicado à obra merquioriana, mas o autor paraense não ignora a importância do ensaísta e diplomata carioca dentro da história da crítica literária brasileira novecentista. Benedito Nunes já havia resenhado, em série de três artigos publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais de 1973, o livro Saudades do carnaval. Nesse texto, o saudoso filósofo e professor da UFPA irmana José Guilherme Merquior e Luiz Costa Lima no tocante à “retomada do conceito clássico de mimesis [Merquior preferia escrever, nesse caso, “mímese”], o aproveitamento do método de Lévi-Strauss [...] e a específica caracterização da literatura brasileira e estrangeira modernas [...]”. (p.69) Por outro lado, se diferenciariam, segundo Benedito Nunes, Merquior pela retomada e Costa Lima pela recusa da estética, atitude que, no caso do autor maranhense, o conduzirá a elaborar o conceito de “controle do imaginário”.  

Ø  “Merquior: dois momentos e duas dimensões”, de Marcos Castrioto de Azambuja. In LAFER, Celso et alii. José Guilherme Merquior, diplomata. Brasília: IPRI, 1993. pp.25-30.

Texto de interesse eminentemente biográfico, publicado em volume importante para se tomar conhecimento e compreender a vida profissional e intelectual de José Guilherme Merquior, além de aí se ter acesso ao discurso que ele pronunciou como orador da turma do Instituto Rio Branco, em 1963. Marcos Castrioto de Azambuja registra que, em 1977, Merquior se submeteu, como voluntário, impelido unicamente pelo desafio intelectual, ao 1º CAE (Curso de Altos Estudos), sistema de treinamento e qualificação na carreira diplomática que o Instituto Rio Branco implantava e que se tornaria, como ainda hoje, obrigatório para a progressão funcional como ministro de segunda classe.(cf.http://www.institutoriobranco.mre.gov.br/pt-br/curso_de_altos_estudos_-_cae.xml) Tendo sido avaliado por banca examinadora de que participou o autor do depoimento, Merquior defendeu com brilhantismo o trabalho intitulado O problema da legitimidade em política internacional.O outro momento/dimensão anotado por Castrioto de Azambuja se refere à postura do colega, em 1990, frente ao câncer avassaladorque o levaria a falecer em janeiro do ano seguinte: “Os amigos – e eu fui um entre vários – recebiam pelo telefone ou por escrito os boletins de saúde precisos que ele mesmo compunha. Tudo era rigor e método. Não sobrava espaço para a autocomiseração.” (p.23)

Diante desse impressionante relato, acerca de um homem que, ciente da iminência da própria morte, não declina de seu amor à razão e à inteligência metódica, me lembro de célebre soneto no qual Gregório de Matos dramatiza a luta de padre Antônio Vieira, outro “imperador da língua portuguesa”, contra a mesma “indesejada das gentes”:

Corpo a corpo à campanha embravecida,
Braço a braço à batalha rigorosa
Sai Vieira com sanha belicosa,
De impaciente a morte sai vestida.

Invistem-se cruéis, e na investida
A morte se admirou menos lustrosa,
Que Vieira com força portentosa
Sua ira cruel prostrou vencida.

Porém ele vendo então, que na empresa
Deixa a morte à morte: e ninguém nega,
Que seus foros perdia a natureza;

E porque se exercita bruta, e cega
Em devorar as vidas com fereza,
A seu poder rendido a sua entrega.


Ø  “José Guilherme Merquior: um depoimento pessoal”, de Luiz Felipe Seixas Corrêa. In LAFER, Celso et alii. José Guilherme Merquior, diplomata. Brasília: IPRI, 1993. pp.21-24.
Outro texto de interesse eminentemente biográfico. O também diplomata Seixas Corrêa conviveu com Merquior e o sucedeu em mais de um cargo no serviço público. Seu depoimento noticia a atuação do colega ilustre no México, onde se responsabilizou pela fundação, em 1988, da cátedra Guimarães Rosa, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional Autônoma, que objetivava constituir ponte de diálogo entre intelectuais brasileiros e mexicanos. Luiz Felipe Seixas Corrêa destaca também o papel da convivência política no país de Octavio Paz na consolidação argumentativa do pensamento liberal merquioriano. Cabe aqui assinalar que o autor do depoimento emprega o termo “neoliberal” para classificar a militância de Merquior, que, na verdade, rechaçava o neoliberalismo (o Estado como guarda do trânsito social e econômico), em favor do social-liberalismo (defesa da necessidade de intervenções mais significativas do Estado no setor).

Não posso deixar de transcrever relato do episódioda década de 1970 (50% fato; 50% piada; 100% engraçado) que envolveu o então Secretário da embaixada brasileira em Bonn (Alemanha), José Guilherme Merquior, e uma brasileira descendente de alemães, que havia trabalhado no consulado de Stuttgart e veio a ser transferida para secretariar o futuro membro da Casa de Machado de Assis:

 

“Estava Merquior ditando minuta de telegrama para a jovem quando foi interrompido.
– Secretário: sucessão é com “ç”, não é?
– Não, minha filha, respondeu ainda pacientemente Merquior, é com dois “esses”!
– Ih, comentou a moça, não sei, não! O Cônsul em Stuttgart sempre escrevia com “ç”!
Mais adiante no ditado, uma nova interrupção:
– Secretário: jeito é com “g”, não é?
– Não, minha filha, respondeu já impacientemente Merquior, jeito sempre foi com “j”! Não agrida o português!
Mas a jovem não parecia convencida:
– O Cônsul sempre escreveu jeito com “g”!
– Pior para o Cônsul!,exclamouMerquior e prosseguiu o ditado.
A terceira interrupção foi decisiva:
– Secretário, projeção se escreve com “g” e dois “esses”, não é? Pelo menos – já foi adiantado – era como o Cônsul escrevia!
A reação de Merquior foi de profunda exasperação: – A Senhora aqui escreve como eu mandar e não como escrevia o Cônsul – projeção é com “j” e “ç” e está acabado!
Imperturbável, a secretária riscou o que havia rabiscado, reescreveu a palavra com a grafia determinada por Merquior e, balançando resignadamente a cabeça, comentou com um suspiro:
– É! Cada um tem o seu estilo!” (p.26)

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